Contextualização
Este texto irá ajudá-lo a compreender melhor a obra contemporânea de Guto Lacaz
Guto Lacaz e sua obra contemporânea
Guto Lacaz mostra, na sua produção plástica, produtos que remetem ao homem da metrópole. Apresenta a problemática do cotidiano do homem urbano, que tenta conviver com os objetos de uma sociedade industrial e a trabalhar suas metáforas. Define-se: "Eu sou um humorista". Sua trajetória mostra uma obra sobre a qual diz Aracy Amaral: ”São tantas as inspirações e invenções, o vocabulário e o repertório de Guto Lacaz, que para contato com sua obra o que se demandaria seria uma publicação, devidamente ilustrada, em ordem alfabética...”.
Algumas referências o comparam a Marcel Duchamp. Guto, porém, busca um caminho único na criação de suas obras. Foi convidado a participar da mostra "A presença do readymade" realizada em outubro de 1993, no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.
Olívio Tavares de Araújo comenta a Primeira Mostra do Móvel e Objeto Inusitado, Paço das Artes, em 1978: “É o único participante que jogou na abertura e acabou mandando os projetos mais fascinantes. São quase-brincadeiras de Carlos Augusto Lacaz, que seguem uma tradição de nonsense criada pelo vanguardista Marcel Duchamp. Um rádio desenhado a lápis num pedaço de papel dobrado em volta de um tijolo, uma garrafa de Crush presa num retângulo de gesso ( e intitulada Crushfixo)...”. Sobre Crushfixo, Guto Lacaz declara: “Trabalho de quando eu era estudante de Arquitetura. Fiz, gostei e guardei. Em 1978, inscrevi-o no concurso “Objeto Inusitado”, do MIS. Ganhei um prêmio e comecei minha vida oficial de artista plástico - que adoro”. Diz ainda: "Não sou um artista plástico, mas sim prático. Sou um biscateiro, um sujeito do tipo que bate prego, pinta prateleira ou desencapa fios". Lacaz toma o objeto e o recria, às vezes de maneira divertida, sem muita pretensão de permanência. Busca estabelecer relações entre objetos e suas proporções. Trabalha a questão do tempo e do espaço.
“Existe, ao mesmo tempo, por trás dos pequenos objetos ou de suas performances, uma postura que pode ser dadaísta, como mencionamos, pela apropriação de objetos encontrados já descartados pela sociedade industrializada, porém tem muito a ver com seu domínio de tempo na realização de seus trabalhos”, escreve Aracy Amaral.
Seu trabalho sempre surpreende. O objeto móbile que construiu em 1982, "Óleo Maria em busca da salada", é feito com uma lata de óleo comum que se desloca pela borda de uma bandeja circular, movida por motor e com rodinhas, tendo em cima uma miniatura de radar giratória.
Lisette Lagnado, diz:”Ele é, com certeza, uma fusão esperta entre a estética dos “ready-mades” e a produção das imagens claramente figurativas. E, tanto nas artes plásticas quanto durante suas performances, Guto põe em funcionamento universos complexos aliando magistralmente concepção com realização - uma outra raridade em relação à produção circundante”.
Suas instalações revelam um espírito sensível bem como preocupação com o detalhe e com a qualidade estética das obras. "Eletro-Esfero-Espaço", de efeito magistral, montada na Fundação Bienal de São Paulo em 1987 e posteriormente no MAM de Paris, na exposição sobre arte brasileira “Modernidade”, apresenta 26 aspiradores de pó que formam um corredor coberto por tapete vermelho e sustentam no ar bolinhas de isopor. Nesse momento é que Lacaz responde à maneira de Duchamp, dizendo, em entrevista que fez os aspiradores por comodidade e que, na verdade, pensava em trabalhar vários eletro-domésticos mas resolveu optar por um só por ser mais fácil. Gostou do resultado.
Outra de suas obras, a instalação "Auditório para Questões Delicadas", mostra uma orquestra sem músicos, colocada sobre as águas do Lago Ibirapuera onduladas pelo vento. Conceitual e mostrando sua concepção perfeccionista, impressiona pela regularidade de suas cadeiras, e leva os espectadores da surpresa à admiração, conforme mostram as imagens do vídeo.
Em 1991, a instalação “Cosmos-Caminhada Pelo Infinito”, montada por Guto no MASP, é assim descrita: dentro de uma sala escura, 100 pedestais de alturas variadas e equipados com silenciosos motores elétricos de baixa rotação, propulsionam mais de 500 pequenas esferas brancas, descrevendo órbitas de diferentes percursos, diâmetros e velocidades”. O poeta Paulo Bomfim “faz um passeio pelo infinito através desta sala”:
“Guto Lacaz é antes de tudo um mágico. Mágico ou mago? Lida com as formas e, ao mesmo tempo, as formas lidam com ele.
Sei que é criador de sonhos.
Tem a inocência terrível dos gênios e dos anjos rebelados contra a rotina.
Na Idade Média causaria perplexidade aos doutores da Sorbonne e conseguiria atravessar no bojo de seus inventos as fogueiras da Inquisição.
No Romantismo seria homem das barricadas ou habitante de domínios sobrenaturais.
Há nele curiosa simbiose do misticismo com a ciência.
Lida com os elementos com a religiosidade de um alquimista e o espírito indagador da mecânica quântica.
Às vezes é trovador do castelo perdido; outras, o menino que inventa no fundo do quintal o alçapão para caçar nuvens.
Ludicamente leva a vida a sério. Sabe que somos peças num jogo de xadrez e oferece um anel à mão que joga com nossos destinos.
Esse é o meu amigo Guto Lacaz”.
Aracy Amaral, diz: “em suas performances, de elaborada execução, como um projeto arquitetônico ou um aparelho eletrônico, para cujo uso por vezes um manual de instruções é preparado para sua devida fruição (ver o “catálogo/manual da “Eletro Performance”), Guto se nos parece como um verdadeiro descendente dos dadaístas, em função da parafernália de materiais e engenhos que rodeiam suas apresentações. Há, contudo, uma ordem essencial, fundamento da manipulação de cada um dos quadros que ele nos faz compartilhar. Foi o caso de sua sala na Bienal de São Paulo de 1985, quando pessoalmente acompanhava o funcionamento de cada proposta, e mesmo como a espreitar o espectador”.
Embora alguns o considerem um artista pós-moderno situando-o nesta vertente de artistas, o mesmo declara, em entrevista à autora, que considera-se um artista que "assina embaixo" dos princípios modernistas e que postula esses princípios, não reconhecendo o que se intitula de pós-moderno
Define-se, também, como artista multimídia, uma vez que já fez incursões na TV, em filmes Super-8 e vídeo, que usa para documentar seus trabalhos. As articulações de vários media é aparente em muitas de suas obras. Sobre “Máquinas e Motores na Sociedade” (1992) uma seqüência de doze performances , A.Amaral diz: “o “timing” flui sem vazios, a poética se articula com a ação e as idéas do artista, que se comunicam com a platéia em empatia invejável”.
Ordem cronológica de algumas de suas obras:
1978 : é premiado na 1ª Mostra do Móvel e do Objeto Inusitado na Galeria Arte Aplicada com a obra "Crush Fixo" (uma garrafa de Crush imobilizada em uma moldura de gesso)
1979: “Tijolo Prático” - objeto ( tijolo com moldura de madeira e alça de metal)
1981: “Fuscão Preto no Acapulco Drive-in” - objeto (objeto-maquete que homenageia música de Arrigo Barnabé
1982: "Óleo Maria à Procura da Salada" - objeto cinético (uma lata de óleo para salada, com um radar, gira em volta de um prato)
1985: “Outravitrola” - objeto (vitrola com braço de 2,40 m)
“Eletro Performance” - performance - 18ª Bienal Internacional de São Paulo
1986: "Eletro-Esfero-Espaço" - instalação (26 aspiradores de pó e bolinhas de isopor sustentadas no ar pelo jato de ar do aspirador) em “A Trama do Gosto” - Fundação Bienal de São Paulo;
"Rádios Pescando" - objeto (rádios portáteis e anzóis presos na antenas)
1987: "High Tegg" - objeto (um ferro elétrico sobre suporte, com a função de frigideira);
"ONO" - objeto (caixa de sabão em pó em homenagem a seu amigo Ono);
"Submarino nuclear em noite de luar" - acrílico sobre tela
1989: “Auditório para Questões Delicadas” - instalação flutuante realizada no Lago do Parque do Ibirapuera, São Paulo;
“Cosmos - um passeio no Infinito”- instalação
1992: “Máquinas e Motores na Sociedade” - espetáculo composto de 12 performances
1993: “Páginas Preciosas” - instalação ( coleção de dois anos de folhas de jornal, onde é anulada a parte escrita com tinta spray dourada e só aparecem as fotos publicadas e selecionadas pelo artista como significativas)
1994: “Marquesa Elétrica” - instalação (no prédio da Eletropaulo na cidade de São Paulo)
Dados biográficos de Guto Lacaz:
Nome: CARLOS AUGUSTO MARTINS LACAZ - "GUTO" LACAZ
Nasceu em 20 de setembro de 1948, na cidade de São Paulo. É arquiteto e designer.
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Copyright © 1995 maria cristina biazus
19 de agosto de 1996