CONCEITO E SIGNIFICADOS DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM:
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Marcel Mendes

Universidade Mackenzie

 

Se existe um vocábulo que vem ganhando densidade pela riqueza de significados que lhe são atribuídos, trata-se da palavra avaliação. Com efeito, a linguagem e a literatura alusivas à temática educacional e aos processos de aprendizagem humana, dedicam conteúdo cada vez mais rico e diversificado aos múltiplos aspectos em que se materializa a prática da avaliação. Esta não se restringe mais ao processo ensino-aprendizagem, como experiência a ele inerente. Para além da avaliação da aprendizagem, avaliam-se professores, disciplinas, programas, currículos, cursos, instituições. Na proporção em que o paradigma qualitativo se impõe como hegemônico, e na medida em que todo o empreendimento humano sujeita-se à análise de resultados, a avaliação deixa de ser um conceito restrito à sala de aula ou à experiência docente desenvolvida no contexto da educação formal, para se converter num "olhar" que perscruta a atividade humana e institucional.

O presente trabalho tem o objetivo de identificar em meio à extensa relação de textos, aquelas publicações que abordam os diversos conceitos do termo avaliação, os significados a ele atribuídos, a evolução histórica das idéias sobre avaliação, e os campos de sua aplicação, especialmente no universo educacional. Deixamos, contudo, de dirigir a nossa atenção para as demais áreas em que a avaliação se afirma como prática, para direcionar o nosso campo de interesse, no presente trabalho, exclusivamente ao campo da aprendizagem formal escolar. Trata-se, portanto, de um artigo de revisão de área.

Com efeito, a grande maioria das publicações na forma de artigos, dissertações, teses e livros, que trata da matéria, focaliza seu significado no contexto da aprendizagem escolar.

SOUZA (1996), ao apresentar a caracterização e a análise de pesquisas sobre avaliação da aprendizagem realizadas no Brasil, nos anos 80 a 90, em programas de pós-graduação em educação, identifica trinta e duas dissertações de mestrado e cinco teses de doutorado.

Estes números cresceram exponencialmente nos anos mais recentes, como pudemos verificar em levantamento que realizamos junto aos catálogos da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), onde encontramos cerca de duas centenas de teses, dissertações e artigos referenciados.

CANDAU & OSWALD (1995) dedicam-se a pesquisar a produção de artigos publicados em onze revistas de âmbito nacional. Na perspectiva de estudar o "estado da arte" referente à temática da avaliação, analisam 124 textos editados no período de 1980 a 1992, sob os seguintes aspectos: enfoque, tema principal e temas correlatos e tendências pedagógicas e/ou teorias de avaliação. No seu trabalho denominado Avaliação no Brasil: Uma Revisão Bibliográfica, identificam os Autores a incidência de 38% dos artigos com o enfoque centrado nos aspectos conceituais, filosóficos e ideológicos da avaliação. Localizam, também as diversas tendências pedagógicas, para concluir que em 77 textos a perspectiva se manifesta dialética e/ou transformadora, e em nenhum trabalho, do universo pesquisado, a tendência se revela tradicional. Ressalta, dos estudos de CANDAU & OSWALD, a ênfase atribuída ao papel ideológico e social da avaliação. Por outro lado, os Autores concluem pela inexistência de um aprofundamento sobre avaliação no processo de formação de docentes. Observam, também, inexistir um elo entre a ética e a avaliação, se tomado como universo de estudos a profusa edição de artigos publicados em revistas especializadas.

DEPRESBITERIS (1997) torna a publicar artigo de sua autoria antes editado em Educação e Seleção n.º 19 (1989) -- Fundação Carlos Chagas -- onde, através do mapeamento histórico sobre os estudos de avaliação realizados que a autora aponta, desbrava-se o vasto continente da avaliação / aprendizagem, acompanhando na conclusão de seu ensaio a proposta de uma mais acurada visão do papel do avaliador em relação ao programa educacional do qual participa.

O artigo em tela, através de um desenvolvimento amplo e rico de referências, resgata uma trajetória que remonta a quatro milênios atrás, onde se encontram registros de práticas avaliativas no império chinês. Por meio de um salto histórico e geográfico, fixa-se por mais tempo nos Estados Unidos do século XIX, para identificar em Horace Mann os primórdios modernos da avaliação pelo seu aspecto restrito da testagem. É na América do Norte que vão se desenvolver estudos e práticas que fazem da avaliação uma ciência, ainda impregnada do viés quantitativo. Este campo de conhecimento vem a merecer em países como França e Portugal o tratamento como ciência, chamada Docimologia .

DEPRESBITERIS (1997) oferece ao leitor e pesquisador uma senda que permite estabelecer a evolução e os diversos ângulos do conceito e dos significados da avaliação. Cita com critério os escritos de Ralph Tyler, para identificar a importância dada por este aos objetivos da avaliação, e por conterem a idéia de feedback para que se efetuassem melhorias. Ressalva, contudo, a visão questionável de Tyler, que considerava a avaliação como atividade final de alcance de objetivos, sem vinculá-la a um processo contínuo e sistemático, para o qual também concorrem julgamentos de valor. São citados os estudos de Mager, de Cronbach, de Glaser, de Bloom, e suas respectivas contribuições. Deste último, destacam-se as idéias a respeito de uma Taxonomia de objetivos educacionais para o domínio de operações cognitivas, seguida de uma Taxonomia de objetivos para o domínio afetivo, que permitissem um sistema coerente de ensino e avaliação. Em conexão com estas propostas, Bloom defende a idéia de que cada vez mais é necessária uma educação contínua, durante toda a vida do indivíduo. Caberia destacar dentre as contribuições de Glaser, a diferenciação proposta para os testes presentes no processo avaliativo, reconhecendo-se que o teste referente a norma (desempenho do indivíduo em comparação a um grupo de referência) não é semelhante ao teste referido a critério (interpretado segundo padrões absolutos).

Comparecem nas citações da autora estudiosos brasileiros : Vianna e Medeiros. Segundo DEPRESBITERIS, " devemos a Vianna uma vasta produção de artigos de avaliação voltados para a seleção de alunos." Medeiros também dedicou-se à avaliação como medida, ressaltando que:

1) A medida faz parte da vida diária;

2) A educação é um processo intencional que implica a verificação de resultados;

3) A eficiência do trabalho educativo está intimamente presa à observação sistemática dos resultados alcançados.

No desenvolvimento do artigo, apresentam-se valiosas considerações a respeito da avaliação de programas. São citados os trabalhos de Selltiz , de Talmage, de Popham , de onde se destacam os estudos que distribuem a avaliação de programas segundo linhas e abordagens metodológicas . Depois de citar os modelos de Stake, Scriven, Stufflebeam , Parlett e Hamilton, a autora fixa-se na contribuição de Goldberg, que considera significativa. Para Stake, " a avaliação é um processo de descrever programas educacionais, através de investigação formal. Formal, porque esse tipo de avaliação pressupõe bases científicas, objetivas e precisas, possibilitando informações imediatas para a tomada de decisão." Scriven, " a avaliação é a determinação sistemática e objetiva do mérito ou valor de alguma coisa." De Stuffebeam podem ser sintetizadas na seguinte conceituação do Autor:" avaliação constitui-se num processo de delinear, obter e fornecer informações úteis ao julgamento das alternativas de decisão."

Nas conclusões do seu trabalho, DEPRESBITERIS registra a dificuldade do avaliador em imprimir à sua ação princípios científicos que produzam resultados válidos e fidedignos e, principalmente, assumir uma postura clara e definida com relação ao seu papel no processo educacional.

SOUZA (1995), em seu artigo Revisando a Teoria da Avaliação da Aprendizagem, vai buscar nos primeiros estudos desenvolvidos sobre a temática da avaliação da aprendizagem, as definições que seus autores atribuíram ao termo, e os respectivos significados. O resgate enseja ao pesquisador identificar a riqueza do conceito de avaliação, sobretudo quando contextualizada no processo da aprendizagem humana.

Para que se tenham presentes, visíveis e explícitas as diferentes definições, seguem-se suas transcrições, na extensão e na seqüência em que comparecem no artigo de SOUZA (1995).

"O processo de avaliação consiste essencialmente em determinar se os objetivos educacionais estão sendo realmente alcançados pelo programa do currículo e do ensino. No entanto, como os objetivos educacionais são essencialmente mudanças em seres humanos - em outras palavras, como os objetivos visados consistem em produzir certas modificações desejáveis nos padrões de comportamento do estudante - a avaliação é o processo mediante o qual determina-se o grau em que essas mudanças do comportamento estão realmente ocorrendo". (Ralph W. Tyler)

"A educação é um processo que visa a modificar a conduta dos estudantes: essas mudanças constituem os objetivos da educação. (...) A avaliação é o processo para determinar em que consistem essas mudanças e estimá-las com relação aos valores representados nos objetivos, para descobrir se atingem os objetivos da educação. (...) É parte integrante da elaboração do currículo que começa com o interesse pelos objetivos e termina quando se estabelece se estes foram alcançados". (H. Taba)

"O termo avaliação refere-se à coleta de extensa evidência quanto às habilidades, posição e problemas das crianças, mediante processos formais e informais. Inclui também o processo de organizar e interpretar esses dados para dar uma descrição compreensiva da criança, tendo em vista os antecedentes de sua experiência educacional". (W. Ragan)

"A avaliação torna possível a alguém descrever ou sumariar padrões de desenvolvimento num determinado tempo. (...) Quando refletimos o processo de avaliação, imediatamente conceituamo-lo como um meio de trabalho, como um meio de pensamento, como uma norma de constante auto-interrogatório: que venho eu tentando obter e como vou indo a respeito ? (...) Envolve a determinação de meios de reunir evidências, a fim de verificar se as mudanças previstas ocorreram realmente". (R. Fleming)

"A avaliação educacional consiste em apreciações de mérito concernentes ao fenômeno educacional. Com apreciação demérito, nós queremos significar a determinação do valor ou dizer quanto é bom aquilo que estamos avaliando". Avaliação pode ser tida "como o ato de aferir, através de comparação, (1) o resultado observado (dados de desempenho) de alguma iniciativa educacional (2) um padrão ou critério de aceitabilidade pretendido (dados desejados)". (J. Popham)

"Avaliação é a coleta sistemática de evidências por meio das quais determinam-se mudanças que ocorrem nos alunos e como elas ocorreram. Inclui uma grande variedade de evidências que vão além do tradicional exame final de lápis e papel. É um sistema de controle de qualidade pelo qual pode ser determinada, em certa etapa do processo ensino-aprendizagem, a efetividade ou não do processo e, em caso negativo, que mudanças precisam ser feitas para assegurar sua efetividade antes que seja tarde". (Bloom, Hastings e Madaus)

"Avaliação sempre implica julgamentos de melhor ou pior (...). Uma medida nos diz o quanto de uma determinada característica um indivíduo possui. Se, então, dissermos, baseados nessa medida, 'Excelente' ou 'Satisfatório' ou 'Terrível', foi feita uma avaliação (...). Esta processa-se tendo em vista objetivos específicos". (R. Ebel)

"Avaliação é um processo contínuo, subjacente a todo bom ensino e aprendizagem (...). Avaliação pode ser definida como um processo sistemático que determina a extensão na qual os objetivos educacionais foram alcançados pelos alunos. Há dois aspectos importantes nessa definição. Primeiro, note que avaliação implica um processo sistemático, o qual omite observações casuais, não controladas a respeito dos alunos. Segundo, avaliação sempre pressupõe que objetivos educacionais sejam previamente identificados. Sem a determinação prévia dos objetivos, é impossível julgar a extensão do progresso. (...) Avaliação inclui julgamento de valor quanto à desejabilidade do comportamento do aluno". (N. Gronlund)

"Avaliar significa emitir um julgamento de valor ou mérito, examinar os resultados educacionais para saber se preenchem um conjunto particular de objetivos educacionais". (Ausubel, Novak e Hanesian)

Nas definições, foram abordados aspectos que podem ser agrupados quanto à ênfase, ao alvo, e ao objeto da avaliação. Como características da avaliação, encontra-se no texto dos autores citados a referência de que a avaliação é uma atividade mais abrangente que a medida e constitui-se num processo que envolve fases ou etapas contínuas de trabalho. A eventual equivalência entre avaliação e mensuração consubstancia-se, na realidade, numa questão crucial para os estudiosos e para a praxis educacional. A discussão será retomada adiante, no sentido de esclarecer, através de outros autores, o significado não-reducionista da avaliação, em contraposição ao pensamento de Ebel, acima citado, que assevera: "uma característica que não pode ser medida não pode ser avaliada." Quanto às etapas da avaliação, convergem os autores citados nas seguintes: definição de objetivos, seleção de procedimentos de avaliação, julgamento.

O texto sob foco identifica nas diversas abordagens, pressupostos norteadores da avaliação: a avaliação deve ser contínua; a avaliação deve ser compatível com os objetivos propostos; a avaliação deve ser ampla; deve haver diversidade de formas de proceder à avaliação.

Quanto às funções da avaliação, o texto faz referência a três funções básicas: diagnosticar, retroinformar e favorecer o desenvolvimento individual. A partir destas, podem ser atribuídas adjetivações à avaliação, segundo a diversidade de suas funções. É assim que se pode distinguir a avaliação com função diagnóstica daquela de função formativa, e ainda, a avaliação com função somativa. A esta última corresponde o final do processo ensino-aprendizagem, enquanto que a anterior (formativa), é consentânea com o desenvolvimento do processo.

O texto ora referenciado culmina em judiciosas "considerações finais", onde a Autora situa com nitidez o fato de a avaliação não se constituir apenas num procedimento técnico, eis que a atividade traz no seu bojo componente ideológico que corresponde a uma postura política e inclui valores e princípios. Reflete, necessariamente, uma concepção de educação, escola e sociedade. Suscita a reflexão sobre a intencionalidade do processo pedagógico, e instrumentaliza intervenções.

O texto de SOUZA (1995) oferece, como se vê, valiosa contribuição para o esclarecimento do conceito de avaliação sob seus múltiplos enfoques, ainda que restrito à experiência da aprendizagem humana. Buscando em autores norte-americanos os significados propostos nos principais estudos desenvolvidos nas últimas décadas, o tema ganha uma consistência significativa. Afigura-se, contudo, uma estranha omissão a qualquer autor nacional, como se não houvesse contribuição brasileira a enriquecer e aprofundar a matéria.

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Numa abordagem que adota a perspectiva histórica como ponto de partida para rever significados e conceitos atribuídos à avaliação da aprendizagem, DEPRESBITERIS (1995) oferece interessante contribuição em seu artigo Avaliação da Aprendizagem - Revendo Conceitos e Posições, reunido por Clarilza Prado de Souza no livro "Avaliação do Rendimento Escolar" (Papirus, 1995). Na verdade, depois de referir que a atividade avaliativa se faz presente desde há séculos entre as funções da sociedade, a Autora se detém na vinculação existente entre a avaliação da aprendizagem e a avaliação de currículo, este entendido como o conjunto de todas as experiências organizadas e supervisionadas pela escola, pelas quais esta assume responsabilidade.

A avaliação de currículo, por sua vez, enseja considerações filosóficas, na medida em que as diferentes visões do mundo e da sociedade conduzem a distintas concepções quanto ao edifício do conhecimento. O texto cede espaço a reflexões que contrapõem o positivismo ao materialismo histórico, designadamente no que se refere aos modelos curriculares e seus objetivos. Decorre do que se expõe no artigo, que há uma estreita relação entre a metodologia de avaliação e a concepção filosófica do educador.

Admitida a preliminar de que a avaliação da aprendizagem deve cumprir uma finalidade ampla dentro do processo de ensino, tornam-se significativas as reflexões que devem ser trabalhadas em torno do tema. Afinal: que é aprender? Quais os conceitos de erro e fracasso escolar? Qual a importância das funções diagnóstica e formativa da avaliação? Qual a importância dos critérios de avaliação? Qual o perigo da "ideologia do dom", este correspondendo ao atributo de ser bem dotado? Qual o papel da nota na avaliação da aprendizagem? E quanto à avaliação de atitudes, que considerar?

O texto em apreciação encaminha-se para o seu ápice conclusivo, passando por considerações que dizem respeito ao potencial de riqueza contido na experiência de auto-avaliação no processo da aprendizagem humana para, no fecho, tangenciar a questão da avaliação nas instituições escolares, no que o conceito de avaliação acaba se alargando para absorver a concepção da avaliação institucional.

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A contribuição de DEPRESBITERIS (1995) tem a virtude de ampliar o horizonte do conceito de avaliação da aprendizagem, pelas conexões que a atividade estabelece e mantém com outros aspectos da educação. Comparecem a esse cenário, não somente componentes técnicos e metodológicos como, também, matizes filosóficos e ideológicos. Presente se faz, por outro lado, toda uma rede de vasos comunicantes de natureza interdisciplinar, o que confere à avaliação uma importância transcendente.

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HAYDT (1995), em seu livro Avaliação do Processo Ensino - Aprendizagem, já em 5ª edição, dedica o primeiro capítulo à apresentação de conceitos e princípios que definem avaliação. Ressalta o texto a distinção existente entre os atos de testar, medir e avaliar. Atribui a Autora a testar o significado de "verificar o desempenho de alguém ou alguma coisa, através de situações previamente organizadas." Por sua vez, medir significa " determinar a quantidade, a extensão ou o grau de alguma coisa (...) e refere-se sempre ao aspecto quantitativo do fenômeno a ser descrito." E o que seria avaliar?

Para HAYDT, "avaliar é interpretar dados quantitativos e qualitativos para obter um parecer ou julgamento de valor, tendo por base padrões ou critérios." Os mesmos renomados estudiosos norte-americanos Tyler, Scriven, Bloom, Hastings Madaus e Stufflebeam são referidos no texto, em meio a observações da Autora.

As definições citadas e mais aquelas formuladas pelos primeiros especialistas já referidos, permitem a identificação de elementos comuns de onde se podem extrair pressupostos e algumas conclusões:

* A avaliação é um processo contínuo e sistemático, portanto, não pode ser esporádica nem improvisada.; como tal, deve ser planejada.

* A avaliação é funcional, porque se realiza em função de objetivos, que se constituem no elemento norteador da avaliação.

* A avaliação é orientadora, pois "não visa eliminar alunos, mas orientar seu processo de aprendizagem, para que possam atingir os objetivos previstos." (Mediano, apud Haydt).

* A avaliação é integral, pois analisa e julga todas as dimensões do comportamento.

O texto em apreciação estende-se ao longo de 159 páginas, para tratar das funções, modalidades e propósitos da avaliação, para abordar a questão da definição de objetivos, para apresentar as diversas técnicas e os instrumentos de avaliação, e para caracterizar com clareza quais os requisitos básicos de um bom instrumento de avaliação: validade, fidedignidade, objetividade e usabilidade. Por fidedignidade deve ser entendido o atributo da coerência interna de funcionamento do instrumento. Todo o desenvolvimento do livro fixa-se no contexto de ensino-aprendizagem, onde se localiza a prática da avaliação.

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A análise do livro de HAYDT permite visualizar um trabalho sistemático e planejado, que desce ao patamar operacional, tendo, contudo, como foco o professor em estágio inicial. Daí a estratégia da Autora de não priorizar o aprofundamento conceitual e reflexivo. Não há apologias veementes nem críticas contundentes.

Enriquecendo uma contribuição que se revela extensa e profícua, LUCKESI (1992) oferece em sua Tese de Doutorado "Avaliação Educacional Escolar: sendas percorridas " , significativo texto panorâmico, reflexivo e crítico, sobre a temática da avaliação no contexto educacional. Trata da avaliação da aprendizagem escolar em sua configuração nas pedagogias modernas e contemporâneas, assim como na prática da escola brasileira de primeiro e segundo graus. Para essa abordagem, toma como centro de atenção a administração do poder, no nível "micro" da pedagogia e da escola, cujo objetivo é o disciplinamento do educando, na perspectiva da formação do seu caráter, além da qualificação de sua aprendizagem. "Para estudar essa temática nas pedagogias, trabalha com as correntes classificadas em tradicional, escolanovista e tecnopedagógica; na tradicional, estuda a avaliação da aprendizagem nas concepções jesuítica, comeniana e herbartiana; na escolanovista, as concepções montessoriana e deweyana; na tecnopedagógica, as concepções tyleriana, bloomiana e gronlundiana." (Reprodução parcial do Resumo da Tese) . Suas conclusões apontam para uma forte influência, na prática escolar, da pedagogia tradicional, quando processa uma avaliação da aprendizagem externa, aversiva e autoritária, numa perspectiva de submissão disciplinar do educando.

Em seu livro Avaliação da Aprendizagem Escolar, LUCKESI (1996) reúne em versão conjunta os textos anteriormente publicados na forma de artigos ao longo de uma trajetória que vem desde 1968. O texto incorpora um discurso reflexivo, interdisciplinar, estruturado por matriz filosófica, para não dizer ideológica. Desenvolve-se com fluência na medida que busca conexões históricas e políticas, construindo um edifício que tem estrutura científica e cultural, sem deixar de apresentar consistência educacional, sociológica, política. Depois de laborar aspectos que vão desde a pedagogia do exame, passam pela prática escolar, atingem a atuação docente, que deve ser crítica e construtiva, LUCKESI (1996) sublima a sua análise para propor que a avaliação da aprendizagem deve se constituir num " ato de amor". Este deve ser entendido no sentido de que "a avaliação, por si, é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo. Para compreender isso, importa distinguir avaliação de julgamento."

A contribuição de RAPHAEL (1995) tem o seu foco centrado na discussão da avaliação como questão técnica ou política. Desenvolve suas considerações em torno de uma conceituação técnica da avaliação, para o que vai buscar nas mesmas fontes de outros autores as categorias de avaliação, os tipos de avaliação segundo os objetivos a que servem (diagnóstica, formativa e somativa), as categorias segundo a natureza do que se avalia (produto, processo e avaliação institucional), os tipos de avaliação segundo sua referência (medidas referenciadas a norma e medidas referenciadas a critérios), e categorias que dizem respeito a quem faz a avaliação (auto-avaliação, hetero-avaliação e co-avaliação). A autora transfere o núcleo da sua análise para a questão política, onde encontra elos com a ideologia da sociedade, e vínculos com o modelo hegemônico. Finalmente, pondera que "captar a dimensão qualitativa implica atitude política e histórica, por se centrar na participação, que faz parte do desejo político do homem, num processo de conquistas para atingir o ideal. Avaliar qualitativamente requer esta sensibilidade: perceber a capacidade de cada aluno para abrir espaços no âmbito do conhecimento científico, de modo a utilizá-lo para uma melhoria de vida, seja no terreno individual seja no seu compromisso social."

Não pode ser omitida a presença de HOFFMANN (1993) no cenário que está no entorno da avaliação. Seu conhecido livro "Avaliação: mito & desafio " encontra-se na 18ª edição, tendo sido uma das publicações pioneiras no país sobre a matéria. Questionando as práticas educacionais saturadas de tradicionalismo e infensas a renovação, a Autora adota uma perspectiva construtivista, a partir da qual avaliação e educação não guardam autonomia entre si, fortalecem-se , associam-se , adquirem densidade, reciprocamente. Discute o significado do testar e do medir, discordando da "justiça da precisão" praticada por educadores. Assevera: " a avaliação deve significar justamente a relação entre dois sujeitos cognoscentes que percebem o mundo através de suas próprias individualidades, portanto, subjetivamente. O que importa é dinamizar essa relação ao invés de aproximá-la da precisão das máquinas."

O trabalho de HOFFMANN tem o mérito de refletir a experiência adquirida no exercício do ensino, e de culminar com propostas efetivas que têm o enfoque principal centrado na educando enquanto ser social e político, sujeito do seu próprio desenvolvimento. A opção da Autora "por uma ação libertadora" é coerente com o referencial teórico adotado, e oferece indicações lúcidas que podem suprir as perplexidades do leitor, do pesquisador, do docente devotado ao cumprimento de sua relevante missão.

 

Interessante trabalho é o de DEMO (1995), cujo título "Avaliação Qualitativa" já aponta o rumo que o Autor pretende imprimir a sua contribuição para o tema da avaliação. Pequeno, porém denso, conciso mas profundo, o livro tem o mérito de envolver o leitor num compromisso reflexivo. São 91 páginas de texto, onde comparecem 134 referências bibliográficas. Para Demo, avaliação é muito mais que processo técnico, é questão política. Avaliador e avaliado sofrem e exercem mudanças qualitativas, produto de uma interação de índole emancipadora. Aliás, trata-se de uma perspectiva dialética da avaliação, que supera dicotomias, enriquece-se das contradições, fortalece-se na dinâmica do processo, estabelece vínculos contextuais significativos.

Se à avaliação qualitativa competem atributos de relevância , seria o caso de questionar o que se constitui em paradigma de qualidade. O Autor tem claro para si o conceito: " Na qualidade não vale o maior, mas o melhor; não o extenso, mas o intenso; não o violento, mas o envolvente; não a pressão, mas a impregnação. Qualidade é estilo cultural, mais que tecnológico; artístico mais que produtivo; lúdico, mais que eficiente; sábio, mais que científico." Estabelecidas as fronteiras entre o formal e o político, firma-se a qualidade política como sendo a participação. É a trilha por onde se desenvolvem as reflexões que propõem revisão de conceitos tradicionais, e suscitam no leitor o impulso de aceitar o desafio e entrar no debate. Ou assumir sua identidade de participante do processo, e integrar-se na ação transformadora que nada tem de messiânico, porquanto se corporifica numa crença de que vale ocupar o espaço inteiro das possibilidades.

Seria o caso de afirmar como Paulo Freire: " Eu espero na medida em que começo a busca, pois não seria possível buscar sem esperança."

Deve ser registrado, no final das referências aos autores nacionais, o artigo de VIANNA (1995) , que trata da avaliação educacional segundo uma perspectiva histórica. O texto oferece ao pesquisador uma visão dos estudos desenvolvidos e das experiências levadas à prática nos Estados Unidos, na Inglaterra e também no Brasil, especialmente, nas últimas décadas. As indicações de trabalhos publicados e da produção científica sobre avaliação educacional , permitem a observação de que o tema é de interesse de educadores. A quantidade de textos, sua relevância e atualidade, evidenciam que existe no Brasil uma consciência da importância da avaliação e de suas múltiplas afinidades .O ensaio de Vianna não aprofunda a análise do conceito e dos significados da avaliação da aprendizagem, na medida em que seu escopo é resgatar a trajetória percorrida, referenciada aos marcos dos autores e pesquisadores mais notáveis, sem conduzir à reflexão, ao debate , ou provocar inquietações epistemológicas.

RODRIGUES (1993) é autor português, Professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. O artigo " Avaliação curricular" integra o livro "Avaliações em educação: novas perspectivas" , organizado por Estrela & Nóvoa. Com extrema lucidez o Autor desenvolve o tema principal abordando-o por partes, onde privilegia o leitor situando primeiramente a avaliação como domínio da ciência da educação, embora consigne que " a avaliação é parte inevitável de todo o empreendimento humano." Questiona, de início, os estudos docimológicos que equipararam a avaliação à medida. No contexto educacional, identifica a possibilidade da " avaliação dos professores" , da "avaliação dos estabelecimentos escolares" , da "avaliação curricular" , este como elemento estratégico para a prática educativa " conduzida dentro da intenção educativa e contribuindo para o empreendimento educativo." Todo o trabalho direciona-se para a questão da avaliação curricular, seus componentes, seus objetivos. Reproduz o debate metodológico que decorre das diferenças axiomáticas entre os paradigmas (racionalista e naturalista). Refere, também, o debate ético-político que se estabelece na avaliação curricular em função da diversidade dos modelos e, por fim, apresenta uma descrição clara das perspectivas de inovação segundo as concepções tecnológica, política e cultural.

A referência ao ensaio de RODRIGUES justifica-se pela visão ampla que permeia o texto, pela interdisplinaridade que o enriquece, e pela vastíssima relação de indicações bibliográficas, ainda que não comparecesse explicitamente o particular enfoque da avaliação no contexto da experiência de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma retrospectiva voltada para o trabalho que finalizamos, permite concluir que a temática da avaliação da aprendizagem suscita interesse, inspira a reflexão, estimula o debate, enfim, faz-se presente não como "modismo" efêmero.

A bibliografia é rica; não se divisam notórias lacunas de produção textual. Os conceitos têm evoluído para uma visão humanística e abrangente, participativa e realizadora. Pela vastidão do campo das experiências, não se posse admitir o esgotamento das reflexões, e nem encerrar a busca de referenciais teóricos que permitam iluminar os caminhos. Discurso e ação devem ser inseparáveis, tal como a reflexão realimenta a ação e esta motiva o exercício intelectual. Os vínculos entre os aspectos técnicos e as questões políticas são inerentes à atividade humana, quando situada no contexto do coletivo.

Novos estudos, novas reflexões, novas práticas ensejarão a possibilidade de construção do ser humano sobre alicerces de justiça, de respeito, de dignidade. Seria o caso de revisar e aprofundar o pensamento em torno de temas como qualidade aplicada à dinâmica educacional, eficácia da aprendizagem, potencialidade da interação entre os personagens do processo ensino-aprendizagem, formação de professores, consistência da realização humana.

Abordagens inovadoras surgirão, quebrando paradigmas, revisando conceitos, modificando estratégias. Para a avaliação da aprendizagem serão dirigidas todas as atenções que o processo ensino - aprendizagem vem merecendo. Despontam no horizonte desafiadoras propostas que permitirão uma compreensão global das realidades complexas, como é o caso da avaliação iluminadora.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANDAU, V.M. & OSWALD, M.L.M.B. (1995). Avaliação no Brasil: uma revisão bibliográfica. in Cadernos de Pesquisa. São Paulo. (95):25 - 36.

DEMO, P. (1995). Avaliação qualitativa. 5ª Ed. Campinas. Autores Associados.

DEPRESBITERIS, L.