Trechos do artigo "INTERFERÊNCIAS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO NOSSO CONHECIMENTO" José Manuel Moran
Artigo publicado na Revista INTERCOM - Revista Brasileira de Comunicação, São Paulo,Vol. XVII, n.2, Julho/Dezembro de 1994


OS VÁRIOS CAMINHOS PARA O CONHECIMENTO

O conhecimento precisa da ação coordenada de todos os sentidos -caminhos externos- combinando o tato (o toque, a comunicação corporal), o movimento (os vários ritmos), o ver (os vários olhares) e o ouvir (os vários sons). Os sentidos agem complementarmente, como superposição de significantes, combinando e reforçando significados.

Um dos estudos mais instigantes foi realizado por Howard Gardner no livro "Estruturas da Mente", que, em síntese, afirma que conhecemos através de um sistema de "inteligências" ou habilidades interconectadas e, em parte, independentes, localizadas em regiões diferentes do nosso cérebro, com pesos diferentes para cada indivíduo e para cada cultura.

múltiplas inteligências Todos temos, segundo Gardner, a "inteligência" ou habilidade linguística, que se manifesta em gostar de escrever, ler, ouvir e contar estórias; que facilita a compreensão através das palavras faladas ou escritas. Em muitas pessoas esta habilidade linguística é mais espontânea, imediata, perceptível. Em outros vai se desenvolvendo aos poucos, pelo processo de aprendizagem.

segunda "inteligência" ou habilidade é a lógico-matemática, que nos ajuda a estruturar, organizar, hierarquizar e sintetizar todas as coisas, a encontrar ordem no caos. Todos nós a possuímos, mas com peso diferente e dependendo da idade e do nível de ensino,

A terceira habilidade é a espacial: a capacidade de pensar com imagens, com fotos; de visualizar imagens claras quando se pensa sobre algum assunto, de ter memória visual e gostar de produções artísticas onde predomina a imagem.

A quarta inteligência ou habilidade é a musical se mostra na sensibilidade para sons, melodias, ambientes sonoros. As pessoas dotadas desta inteligência gostam de música, de tocar algum instrumento e valorizam estudar ou trabalhar com música. Aprendem mais facilmente através do som.

A quinta forma de inteligência é a cinestésico-corporal, que processa melhor a informação através do movimento e do toque; que se manifesta em quem não consegue ficar muito tempo sentado e aprende melhor movimentando-se, tocando ou mexendo nas coisas.

As duas últimas inteligências ou habilidades são complementares. Uma é a intrapessoal e a outra, a interpessoal. Na intrapessoal predomina a busca individual, isolada, intuitiva do conhecimento. Na interpessoal, ao contrário, aprende-se melhor através da interação, da cooperação com os outros.

Em síntese, todos temos os mesmos instrumentos para chegar ao conhecimento, mas não com a mesma intensidade. Aprendemos de formas diferentes. Uns têm mais facilidade de aprender através das imagens, outros através da fala, outros através da música, do movimento, do isolamento ou da cooperação. Todos os alfabetizados possuímos a habilidade linguística, a capacidade de ouvir, ler e escrever estórias. Mas alguns, desde o começo, mostram mais facilidade em manusear as palavras; sentem prazer em ler e escrever. Outros, pelo contrário, captam melhor o que podem ver. Mesmo quando estão lendo (uma operação abstrata) acompanham o que lêem com imagens, apoiam-se no concreto da imagem, como um outro registro ou muleta para poder entender.

Os caminhos para o conhecimento são múltiplos, mas seguem uma trilha básica semelhante: partem do concreto, do sensível, do analógico na direção do conceitual, do abstrato. Quanto mais se superpõem os caminhos para o conhecimento mais facilmente se consegue atingir a todas as pessoas e relacionar melhor todas as possibilidades de compreensão.

...

A educação formal concentra o conhecimento na cabeça, no racional, eliminando progressivamente o sensorial. O aluno é cinestésico, o professor, não. Da imagem "sensorial", mais imediata, que capta a exterioridade das pessoas e coisas, vamos, aos poucos, evoluindo para a imagem "mental", que estabelece uma relação com o mundo através da visualização analógica, representacional, simbólica. Conhecemos neste nível através da comparação, da analogia, da semelhança e da diferença, da metáfora, da conjunção de imagens. É um ver menos sensorial, mais elaborado, complexo. "A sabedoria visual é a mãe de uma forma íntima de lógica que depende da metáfora como sua estrutura. A metáfora salienta o significado interligando grandes experiências desconexas. Os fatos e termos específicos isolam e delimitam o significado. A metáfora, principalmente a visual, é uma forma inclusiva e proliferativa de organização de experiências. Isso significa que a sabedoria visual é inerentemente conectiva e cria conjuntos mentais que tendem para a síntese"

O conhecimento visual facilita a compreensão do que não temos presente fisicamente, mas simula a presença do que está longe (um video sobre a Sibéria), do que fisicamente poderia ser difícil executar (um vídeo sobre uma reação química que provocasse explosão). O conhecimento visual pode ilustrar, ajudar a compreender mais facilmente conceitos abstratos, como o teorema de Pitágoras, mostrando na tela tanto situações do cotidiano ligadas ao conceito, visualizando depois em forma de diagrama cada passo dos exemplos do cotidiano, para mostrar posteriormente, na tela, a sequência de resolução das equações matemáticas correspondentes, o que facilita enormemente a passagem do analógico para o conceitual.

...

Os caminhos para o conhecimento através do sensorial se cruzam com os da intuição. O caminho INTUITIVO é o da descoberta, das conexões inesperadas, das junções, das superposições, da navegação não linear, da capacidade de maravilhar-se, do aprofundamento do conhecimento psíquico, de formas de comunicação menos conscientes. É um caminho agradável, imprevisível, atraente, propício a descobertas -muitas vezes confuso, irracional, ilógico- que prenche profundamente, faz avançar, dá confiança.

...

A intuição não se opõe à razão, mas não segue exatamente os mesmos caminhos. A intuição está ligada à capacidade de relacionar mais livremente os dados, a associar temas de forma inesperada, a aprender pela descoberta. Para o conhecimento racional precisamos concentrarnos, esforçarnos no tema que estamos estudando. Para o desenvolvimento do conhecimento intuitivo precisamos relaxar internamente, dialogar conosco, decodificar a linguagem do silêncio, entrar em ambientes tranquilos, sem depender continuamente de ambientes sonoros externos acelerados, como os do rádio, da televisão (usados muitas vezes como pseudo-companhia, como fuga de si mesmo). O relaxamento é uma das condições do conhecimento em profundidade. Relaxar não é só uma atitude física corporal, mas uma atitude permanente, profunda de encarar a vida com tranquilidade, com paz. O relaxamento facilita a aprendizagem, desenvolve a intuição, a capacidade de relacionar, de ter novos insghits.

O AFETIVO é outro componente básico do conhecimento e está intimamente ligado ao sensorial e ao intuitivo. O afetivo se manifesta no clima de acolhimento, de empatia, inclinação, desejo, gosto, paixão, de ternura, da compreensão para consigo mesmo, para com os outros e para com o objeto do conhecimento. O afetivo dinamiza as interações, as trocas, a busca, os resultados. Facilita a comunicação, toca os participantes, promove a união. O clima afetivo prende totalmente, envolve plenamente, multiplica as potencialidades. o homem contemporâneo, pela relação tão forte com os meios de comunicação e pela solidão da cidade grande, é muito sensível às formas de comunicação que enfatizam os apelos emocionais e afetivos mais do que os racionais. A educação precisa incorporar mais as dinâmicas participativas como as de auto-conhecimento (trazer assuntos próximos à vida dos alunos), as de cooperação (trabalhos de grupo, de criação grupal) e as de comunicação (como o teatro ou a produção de um vídeo).

O RACIONAL é o caminho mais conhecido para o conhecimento e a comunicação. Pela razão organizamos, sistematizamos, hierarquizamos, priorizamos, relacionamos, sequencializamos, causalizamos os dados que nos chegam de forma caótica, dispersa, ininteligível. O racional explica, contextualiza, aprofunda as dimensões sensoriais e intuitivas. Mas, sem elas, torna-se reducionista, simplificador, incompleto. O caminho para o conhecimento integral funciona melhor se começa pela indução, pela experiência concreta, vivida, sensorial e vai incorporando a intuição, o emocional e o racional.

OS MEIOS AUDIOVISUAIS E O CONHECIMENTO

Os meios de comunicação, principalmente os audio-vídeo-gráficos- desenvolvem formas sofisticadas de comunicação sensorial multidimensional, de superposição de linguagens e mensagens, que facilitam a aprendizagem e condicionam outras formas e espaços de comunicação (como o escolar, o familiar, o religioso). Os meios, principalmente a TV, falam sempre de "sentir"-o que você sentiu", não o que você conheceu; as idéias estão embutidas na roupagem sensorial, intuitiva e afetiva. Os meios de comunicação pesquisam há muito tempo e vem aperfeiçoando a fórmula de comunicar-se com a maioria das pessoas, tanto crianças como adultas, aplicando intuitivamente o paradigma de Gardner, a teoria das múltiplas inteligências, no acesso ao conhecimento.