Texto publicado no número 2 de "Lecionare", novembro de 1994.

Software educacional e telemática:
novos recursos para a escola

Com as rápidas transformações nos meios e nos modos de produção, resultado da revolução tecnológica e científica, estamos entrando em uma nova era da humanidade. A natureza do trabalho e a relação econômica entre as pessoas e as nações sofrerá enormes transformações, mudando a natureza do que hoje podemos entender por profissão. Neste quadro a educação não apenas tem que se adptar às novas necessidades como, principalmente, tem que assuir um papel de ponta nesse processo.

Com o advento da micro-eletrônica e da informática, a estocagem de informações (não as chamarei de conhecimento, pois este é construído no interior de cada pessoa – não se "passa" conhecimento mecânicamente) em memórias quase infinitas, o processamento de dados em frações de minuto e a impossibilidade, no decurso de uma vida, de acesso à cultura universal são reveladores da impropriedade dos métodos escolares vigentes. O papel dos educadores deve ser repensado e novas estratégias na formação desses profissionais devem ser previstas, criando na escola o ambiente para a formação de sujeitos críticos, dotados de autonomia de aprendizagem.


O computador na escola: que softwares usar?

Somando-se aos tradicionais recursos de ensino, a informática entra na escola permitindo novas concepções de ambientes de aprendizagem. Com a entrada em massa dos computadores nas escolas e nas casas, os programas voltados para a educação são os que mais crescem em vendas nos EUA. O chamado software educacional, no entanto, apresenta uma variedade de tipos e de qualidade muito diversificada, indo daqueles que reproduzem maus livros didáticos até aos que criam verdadeiros laboratórios virtuais.

O uso da informática em educação pode ser dividido em duas abordagens: a informática no ensino, que visa usar os computadores para o trabalho com disciplinar como geografia, história, matemática ou português, e o ensino da informática, que tem como objetivo capacitar as pessoas no uso de sistemas operacionais, linguagens ou no manuseio de programas específicos.

Os diversos tipos de software usados na educação podem ser classificados em algumas categorias, de acordo com seus objetivos pedagógicos: exercitação, tutoriais, simulações, aplicativos, jogos, linguagens e programas de autoração.

Exercitação é um tipo de programa que tem como objetivo treinar certas habilidades, como dominar o vocabulário de uma língua estrangeira, decorar terminologia de medicamentos, treinar a resolução de problemas matemáticos etc. Muitos desses programas acabam reproduzindo o lado mais pobre do ensino programado, mas quando bem elaborados e usados adequadamente podem ser um excelente auxílio de treinamento.

Os programas tutoriais caracterizam-se por transmitir informações de modo pedagogicamente organizado, como se fossem um livro animado, um vídeo interativo ou um professor eletrônico. É neste tipo de software que se encontram os piores programas do mercado, o que não exclui sua utilidade, quando corretamente concebidos. Bons exemplos de tutoriais são, geralmente, os que acompanham aplicativos comerciais, como o Excel, WinWord etc.

Chamam-se aplicativos aos programas voltados para aplicações específicas, como Processadores de Texto, Planilhas Eletrônicas e Gerenciadores de Bancos de Dados. Embora não tenham sido propriamente desenvolvidos para uso educacional, permitem interessantes usos em matérias tão diferentes quanto português, geografia ou biologia.

Utilizadas para o desenvolvimento de programas, as linguagens de computador, como o Basic ou Pascal, também podem ser interessantes como estímulo à atividade de organização das idéias, possibilitando um rico ambiente cognitivo. Com essa finalidade destaca-se, porém, a linguagem Logo – desenvolvida por Seymour Papert no MIT, utilizando conceitos de Piaget. O Logo tem sido muito utilizado nas escolas e surge agora com uma interface com a robótica, o Lego Logo , voltado para o comando programado de pequenos aparelhos e máquinas construídas pelos alunos.

Extensão avançada das linguagens de programação, os softwares de autoração permitem que pessoas, professores ou alunos, criem seus próprios protótipos de programas, sem que tenham que possuir conhecimentos avançados de programação. A maioria destes sistemas facilita o desenvolvimento de apresentações multimídia, envolvendo textos, gráficos, sons e animações, tais como o Toolbook ou o Visual Basic (este um híbrido de linguagem de programação e sistema de autoria).

Os jogos, geralmente desenvolvidos com a única finalidade de lazer, podem permitir interessantes usos educacionais, principalmente se integrados a outras atividades. Dois exemplos de jogos que permitem a criação de interessantes contextos de aprendizagem são a série Where is Carmen Sandiego (para geografia e história) e SimCity (urbanismo e meio-ambiente). Ambos possuem capacidade de utilização ao longo de várias aulas, rico material de apoio, possibilidade de integração com outras mídias (vídeos, desenhos, redações) e permitem atividades multidisciplinares envolvendo professores de diversas áreas.

Finalmente, as simulações são o ponto forte do uso de computador na escola, pois possibilitam a vivência de situações difíceis ou até perigosas de serem reproduzidas em aula - permitindo desde a realização de experiências químicas ou de balística, dissecação de cadáveres, até a criação de planetas e viagens na história.

Num mundo onde a informação e o conhecimento são, cada vez mais, a principal fonte de transformações da sociedade, torna-se obrigatório usar as novas tecnologias também na educação. Não basta, como no modelo vigente até hoje na educação, que os alunos simplesmente se lembrem das informações: eles precisam ter a habilidade e o desejo de utilizá-las, precisam saber relacioná-las, sintetizá-las, analisá-las e avaliá-las. Juntos, estes elementos constituem o que se pode chamar de pensamento crítico. Este aparece em cada sala de aula quando os alunos se esforçam para ir além de respostas simples, quando desafiam idéias e conclusões, quando procuram unir eventos não relacionados dentro de um entendimento coerente do mundo. Mas sua aplicação mais importante está fora da sala de aula – e é para lá que a escola deve voltar seu esforço. A habilidade de pensar criticamente pouco valor tem se não for exercitada no dia-a-dia das situações da vida real. É aí que as simulações, feitas em computador ou não, têm seu papel, fornecendo o cenário para interessantes aventuras do intelecto.

O uso dos computadores na escola tem sido feito geralmente através de laboratórios com diversas máquinas, mas torna-se cada dia maior a tendência de entrar com o micro na sala de aula - projetando-se sua imagem numa grande tela, com o auxílio de um projetor de cristal líquido que reproduz o monitor do micro.

Este modelo não é novo nem desconhecido. Tom Snyder é um professor americano que se especializou em desenvolver ambientes interativos com o uso de softwares de simulação voltados para o uso de um único computador por classe, sempre procurando trabalhar com o desenvolvimento do pensamento crítico na sala de aula. Hoje a Tom Snyder Productions possui dezenas se "groupwares" em seu catálogo – quase todos para as áreas de estudos sociais – agrupados nas séries Decisons Decisions, Smart Choices e outras.


Telemática: superando os muros da sala de aula

Outro aspecto do uso da informática na educação é a chamada telemática - neologismo resultante do cruzamento da informática com as telecomunicações. Hoje qualquer ponto do planeta está literalmente ligado à rede mundial de informações, através da Internet, numa operação que não requer prática, em poucos segundos e com baixíssimo custo.

Uma das siglas mais utilizadas no novo jargão é BBS - do inglês Bulletin Board System - e que poderíamos traduzir como "Sistema de Quadro de Mensagens". Ou seja, um sistema para troca de mensagens entre indivíduos, grupos e de acesso a publicações eletrônicas e bases de dados remotas.

Para acessar uma BBS não são necessários computadores de última geração, qualquer micro pode ser conectado. Basta dispor de:

O próprio micro, através do modem, faz a ligação através de discagem na linha telefônica e emite um sinal quando a ligação é completada, para alertar o usuário. Calcula-se que nos EUA existam mais de 40 mil BBS de todos os tipos, mas são apenas algumas centenas as que possuem cariz mais profissional. No Brasil já existem cerca de 200 BBS, quase todas amadorísticas e com uma única linha telefônica – o que impede o acesso simultâneo de mais do que um usuário de cada vez, limitando muito seu uso e fazendo com que muitos desistam de novos acessos ao encontrar a linha sempre ocupada.

Em São Paulo, diversas empresas optaram por montar BBS inteiramente própria, como é o caso de O Estado de São Paulo e da Livraria Cultura. Qualquer pessoa pode se conectar a essas BBS gratuitamente. O telefone da BBS Estadão é 266-4144 e da BBS Cultura é 285-6272 – mas esses telefones somente permitem conexão através de modem, não se deve ligar para eles para tentar falar "via voz".

Algumas BBS de interesse geral – que funcionam como um clube onde se reúnem amigos, neste caso à distância, para conversar e trocar programas – começam a surgir de forma profissional, contando com diversas linhas telefônicas e milhares de usuários. Em São Paulo, o Canal Vip, a maior e mais antiga BBS em funcionamento no Brasil, montou um sistema múltiplo, que engloba outras BBS específicas de empresas e instituições (como a Fiesp, o Senac, o Unibanco ou a PUC). O Canal Vip possui diversos setores de acesso público divididos por área de interesse, chamados de "conferências". Abrangendo diversos temas, elas permitem que os usuários deixem mensagens públicas, para leitura e debate dos demais, e incluem diversas áreas, como Educação, Windows, Medicina, Direito, Internet, Música e muitas outras. Os telefones para acesso via modem ao Canal Vip são 889-7222 e 884-8800; para acesso via voz o telefone é 889-8366 (usado para esclarecer dúvidas ou se cadastrar no sistema).

A telemática traz um inovador potencial para os educadores. Afinal, a principal tecnologia educacional de qualquer sistema educacional reside na formação de seus professores. A troca de idéias com outros educadores, a nível nacional e internacional, a pesquisa em bancos de dados, a assinatura de revistas eletrônicas e o compartilhamento de experiências em comum dão um novo significado à atividade docente. Existem diversos grupos de interesse que discutem a educação e projetos concretos e que reúnem, através de todo o planeta, educadores de diversas áreas e países.

Um dos usos mais ricos e inovadores da informática na educação é sua utilização como instrumento de comunicação, colocando em contacto alunos e professores de diferentes cidades e países, de diferentes culturas e línguas, trocando mensagens, desenvolvendo projetos comuns ou acessando bancos de dados.

As possibilidades de utilização da telemática na educação são inúmeras e permitem projetos em todas as disciplinas do currículo, ou, mais ainda, envolvendo conteúdos interdisciplinares. Para ilustrar isso, vejamos alguns exemplos de possíveis utilizações:

Diversos projetos podem ser feitos na área de geografia, baseados na troca de mensagens com diversos países. Os alunos passam a ter uma motivação bastante real em conhecer onde se situa o pais de seu interlocutor, quais suas características, e a pesquisa de mais informações pode se dar através da troca de mensagens - com os alunos perguntando a seus interlocutores acerca de seu pais e informando-os acerca do Brasil (com isso terão necessidade de pesquisar e sistematizar seus conhecimentos sobre seu próprio pais: a melhor forma de aprender é ter que ensinar).

O ensino de línguas estrangeiras tem, no que poderia ser um obstáculo à comunicação, um excelente background para promover a aprendizagem. Comunicar-se em outra língua leva ao seu aprendizado de modo natural, sem as dificuldades que geralmente se observam no seu ensino. Os erros e mal-entendidos das mensagens serão comentados pelos próprios mississivistas, cabendo ao professor o papel de facilitador desse processo.

Na própria língua portuguesa se observam notáveis avanços com o uso deste recurso, pois a atividade de escrever adquire um novo significado para as crianças (e mesmo adultos). No seu dia-a-dia os alunos não precisam da escrita para se comunicar com ninguém, basta-lhes usar o verbo e a gestuália. Na troca de mensagens com parceiros "invisíveis" o único instrumento é a escrita. Você "vê" seu interlocutor pelo que ele escreve; você sabe que como escrever é como ele também o verá. Isso leva a uma associação muito produtiva e estimulante entre a auto-estima e a procura do bem-escrever. Obriga a uma sistematização dos pensamentos e argumentos que tem reflexos muito mais profundos na formação do que a mera troca de mensagens poderia supor.

Experiências cientificas desenvolvidas em conjunto, através da troca de informações e dados de pesquisa, tem revelado um potencial cognitivo e motivador muito promissor. A observação e reflexão de fenômenos científicos adquire um novo significado quando tais coisas devem ser transmitidas e e cruzadas com parceiros remotos. O que poderiam ser exigências "chatas" do professor, passam a ser elementos fundamentais da comunicação, vitais para a ação conjunta no projeto. Projetos que mesclam esta atividade com pesquisa em campo (poluição de rios, por exemplo) tem se revelado muito promissores.

Além do uso com e pelos alunos, a telemática também traz um inovador potencial para os educadores. Afinal, a principal tecnologia educacional de qualquer sistema educacional reside na formação de seus professores. A troca de idéias com outros educadores, a nível nacional e internacional, a pesquisa em bancos de dados, a assinatura de revistas eletrônicas e o compartilhamento de experiências em comum dão um novo significado à atividade docente.

Existem diversos grupos de interesse que discutem a educação e projetos concretos e que reúnem, através de todo o planeta, educadores de diversas áreas e países. Um dos projetos mais interessantes nessa área foi criado por Odd de Presno em 1991, o KIDLINK, que consiste em promover a troca de mensagens e o diálogo entre jovens de 10 a 15 anos de todo o planeta. Até agora o projeto já contou com a participação de cerca de 10.000 jovens de 50 países, em todos os continentes.

A entrada do jovem no projeto se dá através de mensagem em resposta a quatro perguntas básicas: 1) Quem sou eu? 2) O que eu quero ser quando crescer? 3) Como eu quero que o mundo seja melhor quando eu crescer? 4) O que eu posso fazer agora para que isso aconteça? Desde o final de 1993, entrou em funcionamento um "ponto de encontro" de jovens de língua portuguesa - o que veio facilitar a participação de estudantes do Brasil, Portugal e dos países africanos de expressão portuguesa.

Essa experiência expandiu-se e hoje existem várias ramificações específicas e subprojetos, alguns reunindo professores em torno da discussão de novas metodologias, outros promovendo a troca de arquivos binários entre crianças, com desenhos ou sons produzidos por elas, através do Internet.

Como instrumento de comunicação, seja para difusão de comunicados de cunho administrativo, avisos de realização de eventos, cursos e outras programações, a BBS também permite a edição do que hoje se está chamando de jornalismo digital. Boletins, jornais e revistas eletrônicos possuem uma série de características que, embora sem jamais esgotar com as mídias tradicionais, tornam obrigatório seu uso nos dias de hoje. O potencial para gerar atividades interdisciplinares baseadas na produção de materiais editoriais vem, finalmente, viabilizar a produção de jornais e boletins na escola.

Como introduzir as novas tecnologias na escola, particularmente no ensino público, onde tantas outras prioridades se colocam? A nosso ver, todas as questões devem ser resolvidas integralmente (qualidade total na escola também!), não devendo os baixos salários, as janelas quebradas ou a falta de merenda justificar o atraso tecnológico. Do contrário, com a entrada em larga escala do computador e das telecomunicações na escola particular, estaremos aprofundando cada vez mais a clivagem social entre os alunos daquela e os da escola pública se não houver uma efetiva política que garanta o pleno acesso de todos às novas tecnologias.

Num mundo em transformação, onde cada vez mais o computador é o veículo de transporte da mente e um instrumento essencial de trabalho, não podemos preparar as novas gerações para um mundo de subalternidade, tanto do ponto de vista individual quanto na perspectiva da nação. Ademais, não poderá ser este instrumento de comunicação, sem limites de fronteira, uma efetiva ferramenta na mão do professor para a promoção de ambientes interativos de aprendizagem, formação de mentes pesquisadoras, indagadoras, críticas e criativas?

Carlos Seabra
25 de setembro de 1994 (in Lecionare número 2)