A Realidade Virtual em Micromundos Educacionais

INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO

ENSINO ASSISTIDO POR COMPUTADOR 96/97

Compilação de trabalhos realizada por
Luis M. Sousa
lmcs@camoes.rnl.ist.utl.pt

Sumário: A realidade virtual na educação. Mundos virtuais e imersão. O construcionismo e o trabalho colaborativo como modelos pedagógicos para a criação dos mundos virtuais. Agentes simulados. Características importantes da VR para o ensino.


1. A Realidade Virtual

Realidade - evento real, entidade, existência, natureza
Virtual - possível, susceptível de existir embora sem ser reconhecido ou admitido

Juntando as duas definições podemos obter ...

A realidade virtual é uma natureza que é real em efeito mas não o é de facto

Existem enúmeras definições para Realidade Virtual (VR). Mesmo assim é díficil formalizar uma concreta e que seja o suficientemente abrangente. Usualmente as definições de VR surgem associadas a um projecto. Algumas das propostas são as seguintes :

Uma definição um pouco diferente diz-nos que a VR é uma simulação gerada por computador de um mundo real ou apenas imaginário. Este mundo poderá ser baseado em gráficos (por exemplo uma caminhada por um edíficio) ou baseado em texto (por exemplo a descrição de uma cidade onde os participantes podem interagir uns com os outros). Esta definição é um pouco mais completa porque contempla a interação entre os participantes do mundo virtual. [MARTINHO]

1.1 O necessário para explorar a VR

Existe hardware específico para a VR. Essencialmente este hardware, pretende minimizar a interface. Ou seja, o objectivo deste hardware é o tentar ao máximo que a interacção do participante com o mundo virtual seja o mais real possível. Para que a imersão num mundo virtual seja suficientemente realista é necessário que o participante se sinta nesse mundo. É colocado à disposição do participante o seguinte hardware típico: Para além deste hardware é necessário que ainda exista :

1.2 As limitações tecnológicas da VR

2. A Realidade Virtual na Educação

No que diz respeito à utilização da VR na educação, é possível estabelecer um paralelo com quase todos os dogmas de ensino contemporâneo: A realidade virtual é uma boa solução para o ensino de crianças porque expande os processos normais dos media. Encoraja a participação activa no processo criativo, redefinindo assim a relação entre a audiência e o trabalho. [ROUSSOS]

Por vezes os métodos de ensino convencional tornam-se insuficientes porque os alunos não conseguem criar modelos mentais para determinados conceitos abstractos. Estes problemas surgem muito no ensino de ciências. O estar “mergulhado” num mundo virtual pode ajudar os alunos a perceberem com mais facilidade os erros conceptuais que cometem. Por exemplo, no caso da física é típico que os alunos confundam os conceitos de velocidade, aceleração, forças e as relações entre estes. [SALZMAN]

2.1 A imersão em VR

Habitualmente a imersão total num mundo virtual, dá aos participantes a sensação de realmente estarem noutro lugar. Este fenómeno é conhecido por “presença cognitiva” porque o participante sente que o mundo virtual é “válido”, embora seja uma forma de realidade diferente.
O remover da interface entre o utilizador e o computador é a condição necessária para a imersão em VR. O participante “veste” o computador, sente-se no meio dos dados. Como resultado da imersão os participantes podem interactuar com o mundo virtual, que poderá ser uma simulação de um mundo real. Por exemplo poderá ser uma instanciação de uma abstracção que de outra forma apenas poderia ser representada numericamente.
Existem dois resultados práticos que são consequências importantes da utilização de imersão em VR: Duma forma sucinta podemos afirmar que a imersão permite a experiência pessoal. A experiência pessoal decorre do conhecimento surgir directamente e de uma forma natural. É o utilizador a interagir com o mundo. [WINN]

2.2 Construcionismo

Uma parte essencial do processo de aprendizagem cai no saber construir. O construcionismo é um dos principais dogmas na teoria da educação. É uma base para para a aprendizagem com uma metodologia bem estabelecida. O construcionismo lida com a forma como os alunos assimilamo conhecimento acompanhados de uma sequência de tarefas que têm como objectivo a construção de um elemento.

O construcionismo é utilizado nos mundos virtuais. Essencialmente é utilizado de forma a que os utilizadores reais e simulados do mundo virtual, motivados por uma narrativa, consigam construir um mundo virtual através da colaboração com outros agentes humanos ou simulados.
Nos mundos virtuais construcionistas os alunos têm oportunidade de agarrar objectos, dá-los a outros participantes do mundo, combiná-los de forma a construir novos objectos e usá-los para solucionar problemas. O objectivo do construcionismo nos mundos virtuais é o de promover a criatividade e de motivar a aprendizagem através de uma participação activa no mundo. No final do processo criativo deve-se obter um objecto que é tomado como o resultado do processo educativo. Este objecto tem a função de permitir ao aluno e a outros reconstruirem e avaliarem o processo educativo. Ao mesmo tempo estes objectos que resultam do poder criativo e construtivo do aluno são algo que permite ao aluno sentir prazer e orgulho no seu trabalho. Um dos aspectos fundamentais do construcionismo é a capacidade que o aluno revela de se auto-criticar.
O construcionismo diz que as pessoas aprendem com mais eficiência quando têm por objecto a construção de qualquer artifacto.
É possível que a ligação ao espaço virtual que o aluno usa na sua aprendizagem não se limite ao tempo em que este está dentro da VR. A construção do mundo é persistente possibilitando a outros alunos continuar as construções de um aluno. Podem, assim, outros alunos continuar e experimentar o que já havia sido construído. Outra forma de persistência, são os artefactos que marcam o trabalho conseguido por um determinado aluno.Este artefacto, serve para motivar o aluno (ninguém gosta de fazer algo que depois é deitado fora!) e ao mesmo tempo servir de prova que o aluno conseguiu completar algo.[ROUSSOS]

2.3 Trabalho colaborativo

O saber colaborar é um dos temas centrais da pedagogia. É necessário para encaminhar os estudantes nas actividades de grupo e na sua integração social.
Existem muitos sistemas que dizem que o conhecimento é individual e é estruturado individualmente. Usualmente associado ao construcionismo surge o trabalho colaborativo porque a construção de um mundo é resultado da colaboração de vários participantes. O trabalho de grupo é mais eficiente do que o trabalho individual. O trabalho colaborativo dá oportunidade a que uma tarefa seja explorada colectivamente e que se possam apreciar e distinguir os papeis que os participantes têm no desenrolar da tarefa. O aspecto social que está por detrás do trabalho colaborativo é essencial para a integração dos alunos na sociedade. O trabalho colaborativo tem ainda a vantagem de permitir o contacto entre “comunidades virtuais” de estudantes que se encontram geograficamente afastadas, ou ainda promover as interacções entre os alunos e os agentes simulados. [ROUSSOS]

2.4 Agentes simulados

Os agentes simulados são personagens que co-existem no mundo virtual. Às vezes estes são entitulados de génios. O objectivo destes agentes é o de estimular e de encaminhar o ensino, de forma a que o aluno vá percorrendo uma sequência de eventos sobre um determinado assunto.
As acções do aluno no espaço virtual e a interacção com os agentes simulados determinam a aprendizagem, porém, não são restritivos no que diz respeito ao que o aluno pretende construir. [ROUSSOS]

2.5 Resumo das característica da VR

A VR motiva os utilizadores. Os estudantes um pouco intrigados pelo processo de imersão no mundo virtual são levados a dispender mais tempo e concentração para completar uma determinada tarefa. [SALZMAN]

2.6 Avaliação da utilização da VR no ensino

A avaliação dos sistemas de realidade virtual é muito importante para que se possam avaliar e comparar resultados com o ensino tradicional.
Um dos trabalhos mais completos e interessantes ao nível do estudo de impacto da VR é o da Chris Byrne do HITL-Washington. Após o trabalho concluído foram formalizadas hipóteses sobre a utilização da VR no ensino. A experiência foi conduzida num campo de verão. Os participantes eram estudantes com idades compreendidas entre os 10 e os 16 anos. O comportamento dos alunos foi estudado no que diz respeito à utilização da VR. Os alunos foram em primeiro lugar levados através de um processo de construção de um mundo virtual utilizando técnicas de VR e em seguida exploraram os mundos que foram construídos. Durante o processo de criação e de exploração dos mundos virtuais os alunos foram acompanhados por pessoal especializado que conseguiu juntar material para que pudessem ser realizados estudos estatísticos sobre a utilização da VR.
Os estudos a realizar no que diz respeito à educação levou à caracterização destes segundo raça, sexo, idade e conhecimento. Estes são as categorias usualmente escolhidas para estudos que estejam relacionados com educação.
Para além destes dados mais científicos, foram tiradas muitas conclusões que dizem apenas respeito ao interesse e ao comportamento revelado pelos alunos durante o campo. Sobre estes, basta referir que durante o início do campo houve ligeiros problemas de aceitação da tecnologia. Mas que quando os alunos tiveram o primeiro contacto com a VR o interesse quase unânime. Registando-se apenas um caso de desinteresse nos setenta alunos estudados.
De todas as conclusões apresentadas pela Chris Byrne, faz-se aqui uma selecção das que podem ter mais impacto no processo de ensino. Deixando para o leitor mais interessado a consulta da bibliografia, visto este ser um trabalho de extremo interesse sobre a VR na educação.

A mais importante é que antes da experiência pensava-se que a VR iria estar aquém das diferenças existentes a nível educativo no que diz respeito a raça, sexo e conhecimento. Mas após avaliados os resultados ficou bem patente que havia diferenças consideráveis em todos estes aspectos. A nível de raça e de conhecimento verificou-se que estes dois estavam correlacionados tal como nos sistemas de educação tradicional. A nível de sexo notou-se que havia diferenças quando os alunos eram interrogados de como sentiam o mundo real durante o período em que estavam na realidade virtual. No que diz respeito ao interesse da VR ficou bem patente que todos demonstraram muito interesse e todos queriam voltar a experimentar. Ouve apenas umas ligeiras diferenças no que diz respeito à classe de conhecimento onde os alunos que não tinham conhecimento informático revelaram mais interesse que os que já apresentavam algum conhecimento. Durante o processo de criação de mundos observou-se, como era esperado, que os alunos mais velhos conseguiam criar metáforas do mundo real mais perfeitas do que os alunos mais novos.

Resta agora decidir se a VR é uma boa tecnologia para ensinar. Depois de estudados os dados obtidos concluiu-se que não há dúvida que a VR prepara-se para ter um papel definitivo no ensino. No entanto, refira-se que a utilização da VR deve ser extrapolada para toda o ensino. A utilização da VR nas escolas está longe de ser um processo barato. Deve ser utilizada apenas quando as técnicas de ensino existentes para uma determinada matéria não são suficientes ou quando as matérias a leccionar têm um nível de abstracção de conceitos que permite a sua representação não simbólica num mundo virtual de forma bastante simples. O que se pretende que fique patente é que a VR não deve ser utilizada quando existe um método de ensino que consegue os mesmos resultados com custos muito inferiores. Como exemplo de boa e má utilização da VR podem-se dar dois exemplos :

Destes exemplos deverá ficar a ideia que um aluno poderá conhecer o país bastando para isso deslocar-se, ao passo que certamente nunca irá ter o prazer de conhecer e visualizar um átomo.
Por último devemos lembrar que a VR não vai ser, certamente, aceite por toda a gente. No caso deste trabalho apesar da maioria ser unânime no interesse revelado pela VR, existiu um caso de desinteresse absoluto. Obviamente que existem outros casos semelhantes. Mas podemos, concluir que a VR vai ser concerteza uma ferramenta que vai procurar melhorar o ensino no futuro. [BYRNE]

3. Exemplo - GULLIVR

3.1 Aspectos educacionais

O GULLIVR (Graphical User Learning Landscapes In VR) é um mundo virtual que apresenta as características essencias de um sistema VR e que já foram referidas neste texto.
Este sistema permite a múltiplos participantes partilharem e explorarem um espaço virtual. Podem interactuar uns com os outros ou com agentes simulados existentes no mundo, através de colaboração. Este espaço foi desenvolvido para crianças. As crianças gostam de histórias. Toda a acção do mundo virtual é baseada numa narrativa. A interacção das crianças com os agentes traça o desenrolar da narrativa.
O GULLIVR é baseado em construcionismo. O objectivo da aprendizagem é o de progressivamente ir construindo o mundo virtual. O construcionismo apresenta-se neste mundo sobre diversas formas: Finalmente o aluno e outros poderem avaliar o trabalho que foi realizado até então, desenvolvendo nestes casos a capacidade auto-crítica do aluno. A utilização de narrativas fornece ao aluno um propósito para construir. Utilizam-se narrativas porque é um facto assente que as histórias têm um papel preponderante na educação das crianças. Além disso, está provado que as histórias estimulam a imaginação, entretêm, e melhoram as capacidades de comunicação das crianças. A existência de personagens é essencial para manter a coerência da narrativa. As personagens são outras crianças que estejam a interactuar com o mundo virtual ou então agentes simulados, também, denominados génios. Os génios são agentes controlados por computador e que vão ter o papel de acompanhar a criança no mundo virtual. Estes acabam por ter um papel de companheiro ou amigo. A evolução na narrativa resulta muitas vezes da interacção da criança com os agentes. Cada agente simulado tem conhecimento sobre um determinado aspecto do mundo ou dispõe de algumas capacidades que podem ajuadar o aluno. (Exemplo: Um dos agentes é um pirilampo que pode fornecer luz à criança à noite)

3.2 Arquitectura do GULLIVR

O ambiente virtual usado no GULLIVR é denominado CAVE. A CAVE é composta por um cubo com 10 pés de lado. Esta dimensão permite que as crianças se desloquem à vontade dentro da CAVE. As paredes são translúcidas e servem para a projecção de imagens estereoscópicas. O hardware que a criança usa para a Interacção com o ambiente virtual é : Os participantes podem falar uns com os outros mesmo que estejam numa CAVE do outro lado do planeta. Para interagir com os agentes as crianças usam um sistema de reconhecimento de voz. Este sistema é composto por um pequeno microfone que é transportado pelo aluno.
O comportamento dos génios é bastante diversificado. Para se conseguir que os génios tenham uma representação credível e ao mesmo tempo disponham de várias capacidades, foi usado prototipagem. Evita-se a utilização de sistemas de inteligência artificial complexos. Por vezes um génio é controlado por uma pessoa sem que a criança se aperceba disso. Um exemplo disso é o agente que o acompanha, que usualmente é modelado por uma pessoa.

3.3 O enquadramento narrativo

A história passa-se numa ilha imaginária. O terreno é bastante variado e permite diversas formas de exploração. As crianças podem subir a um vulção, construir pontes para atravessar a água e chegar a uma nova ilha, ou explorar um labirinto que existe por baixo da ilha.
A actividade mais construtiva é a de construir e desenvolver pequenos ecosistemas em algumas partes da ilha.
O terreno serve para ser cultivado. São dadas às crianças diversas sementes e estas devem construir pequenas plantações.
Existem diversos génios na ilha. Por exemplo existe o génio nuvem que dá a água para as plantas, ou o génio pirilampo que fornece a luz para o escuro. Quando a criança deita no chão uma semente começa a nascer uma planta que tem que ser tratada. Obviamente que cada planta tem as suas características e que a criança deverá ter os respectivos cuidados com o crescer desta. São dadas indicações visuais ao aluno sobre o estado das plantas. Por exemplo quando o aluno deita demasiada água numa flor esta abre um chapéu de chuva ou quando uma planta está demasiado tempo exposta ao sol, esta põe uns óculos escuros.
Existe som associado a diversas situações e zonas da ilha.

3.4 Conclusões sobre o GULLIVR

O GULLIVR está desenhado para crianças entre os 6 e os 10 anos. As crianças desta idade demonstraram vontade e interesse em explorar o mundo virtual e adaptaram-se rapidamente. Usualmente até se revelaram menos inibidos do que os adultos na exploração do mundo virtual.
Crianças mais novas estão condicionadas pela sua estrutura física (tamanho dos óculos, joystick, …) e por alguns problemas conceptuais do mundo. Um estudo que foi realizado junto das crianças e que comparava o mundo 3D com um mundo 2D revelou que as crianças preferiam sem dúvida o mundo 3D.
Embora o interesse revelado por este sistema seja grande. O custo de sistemas como a CAVE é demasiado grande para ser suportado em aulas, pelo menos actualmente. Mas tem que se salientar que este trabalho vai servir de protótipo para a integração, no futuro, de sistemas de realidade virtual nas aulas.
Sem dúvida que este sistema contribui para o ensino das crianças, pois podem nela adquirir uma perspectiva mais ecologista do mundo e realizar determinadas tarefas que não podem ser feitas no recreio da escola. [ROUSSOS]

Bibliografia

[BYRNE] Byrne, Chris "Virtual Reality and Education"

[MARTINHO] Martinho, Carlos, "Compilação de definições e textos sobre VR."

[ROUSSOS] Constructing Collaborative Stories within virtual learning landscapes M. Roussos, A. Johnson, J. Leigh, C. Vasilakis, T. Moher

[SALZMAN] Learner-centered design of sensory immersive microworlds using a virtual reality interface Marilyn C. Salzman, Chris Dede, R. Bowen Loftin

[WINN] Winn, William A conceptual Basis for Educational Applications of Virtual Reality