Trechos do livro de Pedro Demo

Comentários e seleção de Trazíbulo Henrique
... Partindo, pois, de exigencias proprias da aprendizagem, que, entre outras, acentuam a necessidade de esforco pessoal de reconstrucao, isto já exclui formas exclusivas de avaliacao aa distancia.

Torna-se indispensavel a avaliacao presencial, embora não signifique necessariamente presenca fisica. Pode ser – para usar nomenclatura atual – virtual, no sentido de poder ser feita aa distancia, ate certo ponto, em ambiente de contato por imagem simultanea. Seria viavel um dialogo “pessoal” entre o orientador e seu aluno atraves de devida instrumentacao eletronica que facilitasse a um ver o outro no mesmo instante.

... existe sempre o problema incomodo de evitar procedimentos suspeitos ligados aa apresentacao de textos encomendados ou espurios.

... Assim, para garantir a marca de componente integrante da avaliacao no processo de aprendizagem, eh indispensavel o dialogo pedagogico entre aluno e professor em termos presenciais. Ademais, faria pouco sentido acentuar, de um lado, a necessidade de reconstrucao do conhecimento, e, de outro, apelar para a prova como recurso presencial.

... (a avaliacao)...estrategia permanente de sustentacao da aprendizagem formal e politica do aluno, com base em diagnosticos constantes e capacidade de intervir de maneira educativa. Não pode provir de fora para dentro, nem de cima para baixo. Não cabe concebe-la como intervencao extemporanea, como eh a prova no fim do mês, quando, no fundo, paramos tudo para avaliar. Não estudamos primeiro, para depois sermos avaliados. Somos avaliados enquanto estudamos, e estudamos enquanto somos avaliados. Avaliacao eh componente intrinseco da aprendizagem, e, por consequencia, so faz sentido se for educativa, ou seja, servir para aprender melhor.

Isto não impede de reconhecer sua face incomoda, pois não eh possivel avaliar sem comparar e cotejar desempenhos. Mesmo evitando a comparacao com os outros, resta sempre pelo menos a comparacao consigo mesmo. Eh comum em certos ambientes pedagogicos buscar evasivas para este problema, com rejeitar notas numericas, fichas de acompanhamento, e verbalizacoes que expressem a situacao real do aluno. Em troca, preferem-se comentarios distantes, promocoes automaticas, falsos elogios por conta de salvaguardar a auto-estima. Eh preciso Ter em emente que nada compromete mais a auto-estima do que uma aprendizagem farsante. Aprendizagem não eh um “pique-nique” ou uma festa, mas um esforco tambem desgastante de reconstrucao, por mais que seja sempre o caso envolve-la em ambiencia ludica. Assim, se queremos que realmente o aluno aprenda, eh indispensavel garantir este direito ate o fim e em plenitude, não camuflar os problemas com evasivas de toda sorte.

De partida, podemos realcar pelo menos dois argumentos favoraveis aa necessidade permanente de avaliacao, comecando pelo desafio da qualidade.

... o mesmo se diga da prova, que pode facilmente descobrir, no fim do mês, que o aluno não esta aprendendo. Perdeu-se um mês.

Muito mais importante são os intensivos, sobretudo aqueles que acompanham o aluno de maneira individual, passo a passo, tendo dele diagnostico constante e intervindo imediatamente de modo educativo.

... Como regra, esta perspectiva eh a mais acentuada, porque avaliacao eh vista como expediente tecnico, de entidades tecnicas, como são instituicoes de planejamento estrategico. Trata-se aih de estabelecer metas, etapas, processos e produtos, cujo alcance depende sempre tambem de cuidados avaliativos, reduzidos normalmente a expressoes quantitativas. Sem desmerecer esta visao, a avaliacao educativa ultrapassa de muito o horizonte formal, exigindo tambem qualidade politica.

... Podemos, entao, aventar que faz parte da logica da avaliacao que a autoridade do avaliador encontra uma das fontes principais em ser avaliado. Eh contraditorio exigir imunidade para o avaliador, porque, mais que conturbar o avaliado, destroi a base logica de avaliacao do proprio avaliador.

... Todos os tipos de avaliacao, assim, podem conter aportes relevantes, mesmo a auto-avaliacao, que foi abusada como iniciativa única sob a capa de mera autodefesa. A auto-avaliacao, quanto bem feita, tem valor pedagogico, embora se deva hoje acentuar a hetero-avaliacao, precisamente para evitar a autodefesa. A avaliacao dita institucional, que esta na moda, perde-se facilmente em meras autodefesas, mas, se bem feita, tem grande utilidade. Tambem avaliacoes de professores feitas pelos alunos, ou de seminarios feitas pelos participantes, podem trazer sugestoes adequadas, mas eh claro que decaem com facilidade em arranjos espurios.

Faz parte da democracia da avaliacao procedimentos que respeitem, ao lado dos rigores formais, os direitos do avaliado, alem de estabelecer um relacionamento mais adequado com aparatos tecnicos. Assim, pode-se dizer:

... eh muito mais proveitoso, alem de digno, avaliar com base no que o aluno reconstroi, tendo para isto tempo e condicoes adequadas; ao mesmo tempo, eh mais facil reagir, tendo como horizonte processos e produtos mais manejaveis. Como regra basica, o aluno precisa ser avaliado por aquilo que consegue elaborar, seja como algo especifico (um texto, uma monografia, um video, uma composicao musical, etc.), seja como algo mais generico (uma dramatizacao, uma pratica reconstrutiva, um tipo de comportamento, etc.).

... o espirito avaliativo eh tendencialmente formalista, dentro da tradicao preponderante americana; a necessidade de metodos qualitativos eh acentuada e bem conduzida no consultor nacional, mas, no todo, prevalece a reproducao formalizada, a exemplo das etapas do processo avaliativo, que, alem de excessivas, tendem a reproduzir formulas feitas; a capacidade criativa e critica são trocadas por formatos facilmente replicaveis.

... Embora a carga de leitura seja forte, como eh uso em tais cursos, não se movimenta na direcao da elaboracao propria com base na pesquisa. Permanece na “revisao da literatura”, quase um rito academico para assegurar que o aluno leu a bibliografia recomendada. De fato, isto garante o que se poderia chamar de “aquisicao de conhecimento”, mas não reflete o tipo de competencia humana reclamada pelo mundo moderno e, sem duvida, tambem pela metodologia construtivista.

... Assim, a avaliacao precisaria voltar-se sobretudo para os seguintes desafios mais condizentes:

... Eh nesse sentido que se diz ser a avaliacao em teleducacao um teste decisivo de sua qualidade. Se a teleducacao não souber construir proposta eficaz de avaliacao, vende apenas facilidades, não formacao.

Avaliacao combina melhor com momentos presenciais, ainda que sempre se possam admitir outros aa distancia ou de outros estilos. Todavia, eh um erro fatal assumir como presencial a prova. eh o caso discutir o que seria presenca e distancia e como combinar as duas. por um momento presencial compreende-se, em termos educativos, o dialogo critico e criativo, tipicamente reconstrutivo, entre professor e aluno. Tem como signo especifico o ambiente formativo centrado na reconstrucao por parte do aluno e na orientacao de apoio por parte do professor, ao estilo da maieutica. Infelizmente, eh uso entender contato pedagogico como aula e como prova. Sobretudo dentro de ambientes que se declaram construtivistas, trata-se de um tiro pela culatra

A distancia coloca um problema complexo, sobretudo para educadores, que eh a dificuldade de aceitar avaliacoes sem monitoramento direto.

... A divisao de trabalho muitas vezes proposta entre uma entidade de teleducacao que manteria cursos e outras locais que fariam a certificacao parece ser, pelo menos ateh certo ponto, algo inevitavel, tambem por conta dos custos. Entretanto, facilmente perde-se o fio da meada, principalmente na tendencia a tudo permanecer em mero ensino.

... a) avaliacao deveria reduzir-se, no maximo, a comentarios gerais sobre o desempenho do aluno, tendo por base não prejudicar sua auto-estima;

b) qualquer expressao quantitativa deturpa o intento educativo de avaliar.

... o educador gostaria – num contexto de ingenuidade gritante – de encontrar uma avaliacao que não avalie ou compare, ou uma critica que não critique ou machuque, ou um questionamento que não fosse questionavel. Sugere facilmente que a avaliacao deveria restringir-se a comentarios gerais apenas sugestivos, usando dois argumentos falsos: de um lado, imaginando que isto garantiria melhor procedimentos qualitativos, e, de outro, que a avaliacao, para ser educativa, implica reforcar a auto-estima a qualquer preco. Ora, no fundo, não passa de tatica para fugir de avaliar para não ser avaliado. O educador pressente que, se fosse avaliado com alguma especificidade, não resistiria a Ter de reconhecer seu despreparo, em particular no que concerne aa aprendizagem. Pois, no fundo, sobretudo aprendemos a partir de nosso despreparo, de nossas lacunas, de nossos erros.

...Na pratica, ocorre que os educadores não sabem, com um minimo de precisao, como esta a aprendizagem dos alunos. Confiam em duas veleidades: na prova e no “olhometro”. Eh comum que os professores nas escolas tenham de seu desempenho uma visao bem benevolente, como gesto natural de autodefesa, enquanto os testes de rendimento escolar escancaram o contrario. Eh tambem muito contraditorio defender a aprendizagem do aluno na teoria, e não buscar os meios para garanti-la na pratica. Avaliar por cima, com total inespecificidade, com base em comentarios fragmentados, intermitentes e dispersos, eh mostrar-se, em primeiro lugar, como amador. O professor que não sabe, da maneira mais arguta e especifica possivel, como vai a aprendizagem do aluno, para poder garanti-la como direito do aluno, contribui, ao contrario do que supoe, para atrapalhar ainda mais as chances. Faz parte desta mesma contradicao performativa a pretensao muito pouco pedagogica de supor uma pedagogia que se imagina democratica porque esconde sua vocacao autoritaria. Pois, democracia não eh escamoteamento do poder, mas uma forma mais aberta de o administrar, assim como planejamento participativo eh sobretudo aquele que tem consciencia critica de sua tendencia manipulativa. Em todo processo pedagogico existe alguma dose de repressao, porque isto eh proprio de todo relacionamento humano. o pedagogo que ignora isso tem propensao tanto maior de agir autoritariamente.

A discussao toma, por isso, outro rumo. Eh preciso avaliar a aprendizagem para corresponder ao direito do aluno de aprender. Avaliacao soh tem sentido se for educativa. Entretanto, “avaliacao educativa” não eh aquela que evita avaliar, mais que avalia com consciencia de suas limitacoes e potencialidades, alem de ser mero instrumento, nunca fim em si.

... como regra, todas as avaliacoes são fragmentarias, incompletas, parcelares. Apanham, da complexidade real, apenas facetas recortadas, com tendencia forte para os aspectos formais e quantitativos.

... o problema estah muito mais no avaliador do que nas quantificacoes. Se o avaliador souber avaliar suas quantificacoes, saberah de seus limites e as usarah com a devida parcimonia, sem deixar de retirar delas o podem ter de bom, ou seja, uma especificacao mais nitida dos patamares a serem vencidos.

... na verdade, uma avaliacao educativa exigiria que o aluno pudesse sempre refazer sua aprendizagem, sendo esta jah uma das razoes centrais da impropriedade da prova.

... ao final das contas, a discussao sobre que metodos avaliam melhor a aprendizagem. Eh impossivel de ser decidida, porque todos são parciais. Toda avaliacao eh manipulativa, porque eh feita por um sujeito historicamente plantado e hermeneuticamente marcado. Tambem aquela que faz apenas comentarios sugestivos eh manipulativa e certamente muito mais farsante. O problema estah, pois, em outra direcao. Eh preciso saber limitar a farsa e a manipulacao, com base em espirito critico e criativo e sobretudo sob o compromisso etico de fazer o aluno aprender. O desafio mais profundo da avaliacao não estah no aluno nem nos metodos, mas na qualidade do professor e do educador.