Análise dos mecanismos cognitivos e sócio-cognitivos e de lógica não linear em ambientes de realidade virtual imersiva usando a teoria de Jean Piaget
 
Eliane Grings

 Proposta:
Quanto ao Ambiente:
-    Observar a interação ocorrida na exploração de ambientes virtuais na Internet;
-    Analisar as ferramentas, as interações entre os envolvidos com base na qualidade dos mecanismos  das interações sócio-cognitivas.

  Quanto aos mecanismos cognitivos e sócio-cognitivos:
- Verificar a presença dos mecanismos cognitivos de: centração, descentração, inferência, antecipação, retroação e  perturbação entre os sujeitos envolvidos;
- Identificar relações de egocentrismo, conformismo, coação e cooperação.
 

A concepção de Piaget sobre inteligência remete a uma abordagem onde o desenvolvimento do pensamento é um processo de autêntica construção. Para Piaget (1987), a inteligência é uma forma de adaptação.
É uma contínua construção criando formas cada vez mais complexas e buscando uma equilibração progressiva entre o organismo e o meio. A inteligência possui estruturas variáveis e funções invariáveis, estas últimas possibilitam descrever o mecanismo de funcionamento do pensamento em termos biológicos. As funções invariáveis são chamadas por ele de invariantes funcionais da inteligência. Funcionais, porque estão envolvidos no funcionamento da inteligência e invariantes, porque qualquer que seja o momento evolutivo, sempre haverá assimilação
do meio às atividades do sujeito e acomodação destas atividades às características impostas pelo objeto. As funções invariantes básicas são a organização e a adaptação, esta última, com seu dois componentes inter-relacionados - assimilação e acomodação.
 
            "O organismo adapta-se construindo
            materialmente novas formas para inseri-las
            nas do  universo, ao passo que a inteligência
            prolonga tal criação construindo,
            mentalmente, as estruturas suscetíveis de
            aplicarem-se ao meio" (Piaget, 1987,
            p.15-16).

 Piaget deixa claro que se refere a adaptação no sentido de processo, distinta da adaptação-estado. Acompanhando o processo percebe-se que é o "organismo que se transforma em função do meio, e essa variação tem por efeito um incremento do intercâmbio entre o meio e aquele, favorável à sua conservação, isto é, à conservação do organismo" (ibidem, p.16). Ao
passo que na adaptação-estado, nada é claro.

Os estudos de Piaget tiveram como base condições de interação baseadas em ambientes naturais e culturais. Com o advento da tecnologia outras dimensões de interação são acrescentadas, conforme Fagundes (1997), onde na estrutura de rede, o computador deixa de ser o centro e
passa a ser mais um elo da trama.

            "É na interação cognitiva no seio de uma
            situação que cada um, com reciprocidade,
            contribui para estabilizar, modificar ou
            reequilibrar a construção do
            conhecimento."(Fagundes,1997)

Com os novos ambientes de aprendizagem cooperativos surge a necessidade da reflexão sobre os laços sociais em torno do aprendizado recíproco. Lévy (1993) define inteligência coletiva não como um conceito exclusivamente cognitivo, mas antes de trabalhar em comum acordo.
Segundo o autor é "uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências".

 Em Levy (1996) a compreensão da virtualidade. O espaço virtual vem de uma realidade também virtual, que é a representação através da produção simbólica com o uso de computadores. O virtual segundo Levy (1996), caracteriza o desprendimento do aqui e agora, a
desterritorialização, significa "não está presente". Algo ocupa um lugar no espaço, mas não pertence a nenhum lugar, caracterizando uma "ocupação virtual de um espaço". Segundo Levy (1996, p.38), "uma tecnologia intelectual, quase sempre exterioriza, objetiviza, virtualiza uma função cognitiva, uma atividade mental".



Verificar quais são os observáveis dentro deste ambiente para cada participantes do  experimento;
(Equilibração das estruturas cognitivas)
Observável e inferências - é aquilo que a experiência permite constatar por uma leitura imediata dos fatos por si mesmos evidentes, enquanto uma coordenação comporta inferências necessárias e ultrapassa, assim a fronteira dos observáveis. (pg. 46)

Observável - é aquilo que o sujeito crê constatar e não simplesmente aquilo que é constatável. É o mesmo que dizer que uma constantação nunca é independente dos instrumentos de registro (assimilação)  de que dispõe o sujeito e que estes instrumentos não são puramente perceptivos, mas consistem em esquemas pré-operatórios ou operatórios aplicados à percepção atual e podendo modificar os dados desta num sentido, seja de precisão suplementar, seja de deformação.
 

- Reconhecer como e quando aparecem os mecanismos cognitivos de: centração,    descentração, inferência, antecipação,    retroação entre os sujeitos envolvidos;

Centração e Descentração - característica do pensamento pré-operacional. Segundo Piaget (Estudos Sociológicos), as trocas interindividuais das crianças podem, em certa etapa, ser marcadas por um egocentrismo, isto é, uma indiferenciação entre o ponto de vista próprio e o do outro.

- Centrado no ponto de vista próprio: (Valentini,1995)
   Ocorre quanto a reflexão dos sujeitos reflete uma conduta de centração, correspondendo ao ponto de vista momentâneo do sujeito, sem mobilidade, ou seja sem transformações operatórias possíveis, sem descentração.

- Considerar o ponto de vista do outro:
As condutas de descentração são percebidas na conversação através da coordenação de pontos de vista, a partir das discussões. O sujeito é capaz de conservar os dados anteriores e parece sensível à contradição.
 

Inferência -
Consideramos inferências quando os sujeitos constroem relações novas que ultrapassam a fronteira do observável.

Antecipação-
A antecipação é um dos dois sentidos da regulação. No chat aparece condutas antecipatórias, que pode acontecer através do texto escrito ou das conversas dos sujeitos.
As antecipações podem ser entendidas como um processo representativo, ocorrendo uma descentração.

Retroação -
O sujeito retoma o assunto no sentido de correção ou reforço. As retroações compõem o processo de novas regulações.

- recuperação da continuidade do tema/assunto-
o sujeito recupera a continuidade do tema da conversação, possibilitando o enriquecimento da interação e maiores trocas. Pode acontecer através do chat ou dos formulários.

- busca de informação adicional -
o sujeito busca informações e esclarecimentos sobre o assunto que está sendo discutido ou sobre o próprio interlocutor.

-  Identificar relações de egocentrismo, conformismo, coação e cooperação. Egocentrismo-
O egocentrismo intelectual pode ser visto como uma atitude espontânea que comanda a atividade da criança nos seus primeiros tempos e subsiste por toda a vida. Na presença do egocentrismo, os parceiros não conseguem coordenar seus pontos de vista, uma vez que concebem as coisas e os indivíduos a partir de suas próprias ações. (Estrázulas, 1997)

Conformismo  -
Segundo Piaget, o respeito unilateral, motivado pela admiração é um dos principais fatores do conformismo intelectual. O conformismo ocorre quando um indivíduo voluntariamente se submete à escala de valores do outro em função da presença do respeito unilateral ou valorização não recíproca dos parceiros.
São indicadores do conformismo (Ramos in Estrázulas, 1997): o fato do sujeito não decidir por sua conta o que fazer; a aceitação passiva de orientações contraditórias às coordenações já construídas ; pedidos constantes de permissão para agir; considerar-se responsável por fracassos na realização de tarefas, mesmo quando esse não for o caso.

Coação -
Diferentemente do conformismo, na coação o indivíduo adota o ponto de vista do outro não mais espontaneamente mas sob o efeito de sua autoridade ou prestígio. Existe uma aparência de equilibrio que não deixa transparecer de imediato a fragilidade da interação. O sistema de expressão lingüístico e o sistema de significações serão superficialmente comuns enquanto perdurar a coação. Entretanto, como o sistema de obrigações não é mútuo, a ausência da reciprocidade se encarregará de desvelar a irreversibilidade do processo, confirmando a inexistência de um equilíbrio interno.

Cooperação -
Relação entre pontos de vista diferentes.
O equilíbrio atingido pelas trocas cooperativas de pensamento toma a forma de um sistema de operações recíprocas. Por se tratar de relações qualitativas ou simplesmente lógicas, foram chamadas por Piaget de agrupamento, por oposição aos grupos que se referem às operações numéricas. Quando os parceiros têm em comum um sistema de convenções ou hipóteses, sem que isso signifique pré-julgamento ou empecilho para outras construções (julgamento ou raciocínios), então há convergência nas comunicações e correspondência entre as operações. Resultará daí uma conservação da validade dos acordos e uma capacidade de não-contradição que decorre da reversibilidade de seus pensamentos. Os agrupamentos operatórios estarão garantidos  nos dois sentidos e será possível constatar a reciprocidade no processo de trocas.

Referencias Bibliográficas
Estrázulas, M.B. P. (1997) Interação e sócio-cognição na Intenet: A
Teoria de Desenvolvimento sócio-cognitivo de Jean Piaget no Estudo das
Trocas entre Crianças na Escola e Fora da Escola. Dissertação de
mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

Fagundes, L. C. (1997). A inteligência Cognitiva - A Inteligência
Distribuída. In: Pátio, l (1) maio/julho, 1997.

Grings, E. S. (1998). A Representação do Espaço Cibernético pela
Criança, na Utilização de um Ambiente Virtual. Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Lévy, P. (1996). O Que é Virtual?. São Paulo: Editora 34.
Originalmente publicado em francês, intitulado "Qu’est-ce que le virtuel?",
em 1995.

Piaget, J. (1973) Estudos Sociológicos. Rio de Janeiro: Companhia
Editora Forense.

  Piaget, J. (1976). A Equilibração das Estruturas Cognitivas. Rio de
Janeiro: Zahar Editores. Originalmente publicado em francês, intitulado
"L’equilibration des structures cognitives - Problème central du
développement", em 1975.

Valentini, C.B.(1995) A Apropriação da Leitura e escrita e os mecanismos
cognitivos de sujeitos surdos em interação em rede telemática. dissertação de
mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.