1. Aspectos Gerais Quando as frutas e hortaliças são sujeitas à desorganização na sua estrutura natural, tais como descascamento, corte, trituração e injúrias diversas, o produto sofre mudanças, incluindo o desenvolvimento de uma cor escura não natural. Estas alterações na cor são em sua maioria devido a reações catalizadas por enzimas. O rompimento das células do vegetal permite que as enzimas, naturalmente presentes, entrem em contato com diversos substratos que, na presença de oxigênio, desenvolvem no produto uma coloração escura. Esta reação em geral ocorre rápida e intensamente e consiste na oxidação de compostos fenólicos à ortoquinonas pela ação de uma ou múltiplas enzimas (MATHEW & PARPIA, 1971). De acordo com PONTING (1960) e REED & UNDERKOFLER (1966), a maioria das reações enzímicas, que causam o escurecimento em frutas e hortaliças, é catalizada pela polifenol oxidase (PFO), embora, segundo VOIROL (1972) e WHITAKER (1976), também possa ocorrer a participação de outras enzimas como a peroxidase. A enzima polifenol oxidase está amplamente distribuída na natureza, sendo provavelmente encontrada na maioria das plantas, estando presente particularmente em altas concentrações em batatas, pêssegos, maçãs, bananas, abacate e cogumelos (ESKIN et alii, 1971 e VÁMOS-VIGYÁZÓ 1981). A localização da enzima na célula vegetal depende da espécie, idade e grau de maturidade. WEAVER (1978), verificou que a atividade enzímica em batatas das variedades White Rose, Norchip, Kennebec e Red La Soda foi mais elevada nas extremidades inferior e superior do tubérculo e menor no centro deste. A variedade Lenampe, por sua vez, apresentou atividade enzímica semelhante em todas as partes do tubérculo. Comportamento da polifenol oxidase em batas concentração = 1,44t + 1,48 2. A Polifenol Oxidase As polifenol oxidases (o-difenol: oxigênio oxidoredutase; EC 1.10.3.1) pertencem ao grupo das oxido redutases. Esta classe de enzimas possui uma série de nomes triviais provenientes de seu substrato preferencial, como tirosinase, cresolase, fenolase, ortodifenol oxidase e catecolase (REED & UNDERKOFLER, 1966; ESKIN et alii, 1971 e WHITAKER, 1972). A ocorrência de múltiplas formas de polífenol oxidase tem sido citada por vários autores. O grupo prostético da polifenol oxidase é o cobre, estando presente na proporção de um átomo de cobre por molécula. A hidroxilação de monofenóis ocorre pela combinação do cobre, no estado cuproso, com o oxigênio molecular e sua conversão para o estado cúprico e formação do difenol. O cobre pode ser removido e a enzima, deste modo será inativada. Porém sua reativação poderá ocorrer com a adição de cobre ( REED & UNDERKOFLER, 1966 e JOSLIN, 1970). A polifenol oxidase pode catalizar dois tipos diferentes de reações, ambas envolvendo compostos fenólicos e oxigênio molecular: (a) hidroxilação dos monofenóis ortodiidroxifenóis correspondentes e (b) oxidação de ortodiidroxifenóis a ortoquinonas (ESKIN et alii, 1971; WHITAKER, 1972 e VÁMOS-VIGYÁZÓ, 1981). As enzimas provenientes de diferentes fontes possuem estas duas formas de atividades em diferentes proporções, que estão sujeitas a mudanças durante isolamento e purificação das enzimas. Todas as polifenol oxidases possuem atividade sobre ortodifenóis. A maioria dos tratos enzímicos, como, por exemplo, de batatas, maçãs cogumelos possuem ambas as atividades. 3. Hidroxilação A reação de hidroxilação pode ser ilustrada pela oxidação da L-tirosina a 3,4 diidroxifenilalanina (ESKIN et alii, 1971): 4. Oxidação O segundo tipo de reação catalizada pela polifenol oxidase é a oxidação de um ortodifenol a uma ortoquinona, como se vê na ilustração. O mecanismo desta reação ainda não é completamente conhecido. Sabe-se que o oxigênio liga-se primeiro à enzima, ocorrendo em seguida a formaç~o do o-difenol. Como exemplo, podemos citar a oxidação do catecol à o-benzoquinona (WHITAKER, 1972): Uma vez formada a quinona, as reações subsequentes ocorrem espontaneamente e não mais dependem da presença da enzima e do oxigênio. Embora as ortoquinonas jà sejam compostos coloridos (vermelho a marrom-avermelhado), a reação de escurecimento não para neste ponto. Estes compostos participam de reações secundárias, gerando a formação de compostos com coloração mais escura (ESKIN et alii, 1971). As reações secundárias, considerando-se especificamente o escurecimento enzímico são, segundo MATHEW & PARPIA (1971): (a) reações acopladas de outros substratos; as quinonas podem promover a oxidação de substratos, cujo potencial de oxidação-redução é pequeno, de modo que estes compostos não são oxidados diretamente pela polifenol oxidase e, dentre eles, temos as antocianinas, os glicosídeos de flavonas. os compostos polifenólicos com aminoácidos ou proteínas. (b) complexação com aminoácidos e proteínas; esta é a reação secundária mais importante, pois na maioria dos produtos alimentícios a intensificação da cor durante o escurecimento ocorre após esta complexação. (c) condensaçào e polimerização das quinonas; ocorre a formação de poliíeros amorfos, insolúveis e altamente estáveis. 5. Substratos para a enzima Frutas e hortaliças possuem uma ampla varie-dade de compostos fenólicos. Entretanto, apenas uma parte relativamente pequena destes fenóis serve como substrato para a polifenol oxidase. Os compostos mais abundantes e que são usados como substrato são os monofenóis e os difenóis. Os substratos naturais mais importantes da polifenol oxidase em frutas e hortaliças são as catequinas, os ésteres do ácido cinâmico, 3,4 diidroxifenilalanina (DOPA) e tirosina (ESKIN et alil, 1971 e VÁMOS-VIGYÁZÓ, 1981). A extensão na qual os substratos fenólicos, naturalmente presentes, contribuem para o escurecimento enzímico de frutas e hortaliças, depende da localização e concentração do substrato, assim como da intensidade de cor dos pigmentos macromoleculares obtidos das quinonas. Uma diferença fundamental na composição em fenóis de frutas e hortaliças é o fato de que, enquanto as catequinas, proto-antocianidinas e leucoantocianidinas são constituintes comuns da maioria das frutas, elas somente ocorrem excepcionalmente em hortaliças. A contribuição de um dado substrato endógeno, para o escurecimendo enzímico, depende da sua concentração e da natureza dos outros substratos presentes no tecido. A presença de traços de substrato não tem consequências, enquanto concentrações de 100 mg/kg podem resultar em sérias alterações. A polifenol oxidase possui substratos específicos dependendo de sua origem. A especificidade pelo substrato depende não apenas do gênero e do cultivar, mas também da localização da enzima dentro da própria fruta ou hortaliça. O pH em que a atividade é determinada afeta na preferência pelo substrato. A seletividade da enzima para monoidroxifenóis parece ser maior que para ortoidroxifenóis (VÁMOS-VIGYÁZÓ, 1981). VÁMOS-VIGYÁZÓ (1981), cita as seguintes frutas e hortaliças e seus respectivos substratos preterenciais: pêra, ácido clorogênico, catecol e ácido cafeico; batata, ácido clorogênico e catecol; berinjela, ácido clorogênico; cogumelo, catecol, DOPA e dopamina. 6. Isoenzimas Estas formas múltiplas denominadas isoenzimas apresentam diferenças em suas propriedades físicas, químicas e cinéticas como, por exemplo, mobilidade eletroforética, especificidade pelo substrato, pH ótimo, temperatura ótima, efeito inibidor de diversos agentes (CONSTANTINIDES & BEDFORD, 1967; GOODENOUGH, 1978 e GALEAZZI, 1984). Alguns pesquisadores questionaram se estas múltiplas formas enzímicas representam uma família de diferentes enzimas com funções similares, ou múltiplas formas da mesma enzima que diferem entre si, formando subunidades (CONSTANTINIDES & BEDFORD, 1967 e MATHEW & PARPIA, 1971). O sistema da polifenol oxidase em tecidos de cogumelos, batatas e maçãs foi estudado por CONSTANTINIDES & BEDFORD (1967). O cogumelo apresentou 9 isoenzimas, a batata exibiu 11 formas enzímicas, enquanto que a maçã (var. Golden Delicious) mostrou 3 isoenzimas. GOODNOUGH(1978), por outro lado, ao estudar a polifenol oxidase proveniente de cogumelo, encontrou apenas 3 isoenzimas, todas possuindo diferença na especificidade pelo substrato que variava entre DOPA, catecol e tirosina. 7. pH O pH para a atividade ótima da polifenol oxidase varia com a fonte enzímica (espécie e variedade), grau de maturação, substrato doador, composição de isoenzimas, pureza da enzima e solução tampão utilizada. Na maioria dos casos, este valor situa-se entre pH 4,0 e 7,0. As isoenzimas podem ter pH de atividade ótima bem distintos. A faixa de pH ótimo, observada para a polifenol oxidase de algumas fontes, deve-se à presença de isoenzimas com valores diferentes de pH ótimo (AYLWARD & HAISMAN, 1969; MIHÁLYI et alii, 1978 e VÁMOS-VIGYÁZÓ, 1981). KAHN (1975) encontrou para o extrato enzímico bruto de abacate das variedades Fuerte, Horeshim e Lerman pH ótimo entre 5,3 e 6,7 para os substratos 4-metil-catecol e DOPA. De acordo com MIHÁLYI et alii (1978), a polifenol oxidase de maçã, da variedade Starking exibiu um valor bem definido de atividade máxima a pH 6,1, enquanto, a variedade Jonathan apresentou pH ótimo de 6,2. As batatas apresentaram atividade enzimíca máxima na faixa de pH 6,0 a 6,5 e os pêssegos, na faixa de pH 6,0 a 6,4. 8. Temperatura A temperatura ótima de atividade tem sido bem menos investigada que o pH ótimo para a enzima polifenol oxidase. Os dados até então obtidos indicam que a temperatura ótima depende essencialmente dos mesmos fatores que o pH (VÁMOS-VIGYÁZÓ, 1981). A polifenol oxidase de batata, utilizando catecol como substrato, tem sua atividade máxima a 22ºC (MIHÁLYI et alii, 1978). 9. Concentração A susceptibilidade ao escurecimento, ou a tendência ao escurecimendo enzímico em frutas e hortaliças tem sido relacionada diretamente ao teor de polifenol oxidase presente, à concentração de compostos fenólicos endógenos no tecido, ou a uma combinação específica destes dois fatores. Os dados publicados em literatura divergem em relação a qual dos dois fatores, enzima ou substrato, exerce papel fundamental na determinaço da taxa de escurecimento do produto (KAHN, 1975; GÁJZÁGO et alii, 1977; GOLAN et alii, 1977; VÁMOS-VIGYÁZÓ et alii, 1977; WALTER & PURCELL, 1980 e JAYARAMAN et alii, 1982). Recentemente, SAPERS et alii (1989a) verificaram que o baixo grau de escurecimento em batatas, da variedade Atlantic em relaçao à variedade Russet Burbank, está grandemente relacionado a seu baixo conteúdo de fenóis totais e tirosina e, em menor extensão, à baixa atividade da enzima polifenol oxidase. 10. Inativação pelo calor A aplicação do calor tem sido um dos métodos mais utilizados para inativar a polifenol oxidase. O calor é comumente aplicado em processos como branqueamento e pasteurizacão, como pré-tratamento de vegetais que vão ser conservados por apertização, congelação ou desidratação. A temperatura e o tempo de exposição necessários para a inativação enzímica depende do pH e do teor de enzima presente, variando para cada fonte enzímica em particular. Sabe-se que uma diminuição no valor do pH resulta em decréscimo da atividade enzímica e que a polifenol oxidase pode ser inativada, irreversivelmente, a valores de pH abaixo de 3 (REED & UNDERKOFLER, 1966). É necessário ter um controle cuidadoso do tempo de aquecimento quando se aplicam altas temperaturas de modo a se obter a inativação enzímica, evitando-se alterações significativas no sabor e textura do alimento. Entretanto, é importante enfatizar a necessidade de se efetuar uma rápida inativação térmica da enzima, principalmente se a faixa de temperatura não for muito elevada, pois em alguns casos, o aquecimento lento pode resultar em ativação enzímica (MATHEW & PARPIA, 1971). À polifenol oxidase não pertence a classe de enzimas extremamente estáveis ao calor. Ao contrário, um pequeno período de exposição na faixa de 70ºC a 90ºC, na maioria dos casos é suficiente para destruição parcial ou total de sua função catalítica (VÁMOS-VIGYÁZÓ, 1981). Segundo GALEAZZI & SGARBIERI (1981), a polifenol oxidase proveniente de banana foi completamente inativada a 95ºC após 5 minutos de exposição. BERNHÀRDT et alii (1978), ao trabalharem com palmito, verificaram que, após 20 minutos de incubação a 75ºC, a enzima polifenol oxidase teve apenas 48% de sua atividade perdida, mas para 100ºC ela foi rápida e totalmente inativada. A polifenol oxidase de pêssego possui menor estabilidade térmica que a de outras frutas e hortaliças. A variedade Cortez possui 3 isoenzimas com valores de meia vida a 55ºC de 5,5, 14,1 e 14,6 minutos, enquanto uma quarta isoenzima mais resistente permaneceu estável a 55ºC por 50 minutos mas foi rapidamente inativada a 76ºC (VÁMOS-VIGYÁZÓ & MIHÁLYI, 1976). SILVA & NOGUEIRA (1983a), estudando o efeito do calor na atividade da polifenol oxidase em diversas frutas e hortaliças, constataram que a pera (var. D´Água) foi a fruta que demonstrou maior sensibilidade ao tratamento térmico. Ápós aquecimento a 70ºC/2 minutos, 90,5% da atividade foi inibida, enquanto que a 8OºC/2 minutos, houve 100% de inibição. A polifenol oxidase de banana também sofreu total inativação quando submetida a 90ºC durante 2 minutos. A enzima extraída da maçã também foi sensível ao calor, sendo totalmente inibida a 80ºC por 2 minutos. 11. Inativação por compostos químicos A inativação da polifenol oxidase pode ser obtida com produtos químicos agindo na própria enzima, com um dos substratos ou produtos da reação. A escolha de um agente inibidor do escurecimento em alimentos é restrita e dependente de requisitos especiais como ausência de toxidez, ausência de efeitos negativos sobre sabor, odor e textura, viabilidade econômica e tecnológica (VÁMOS-VIGYÁZÓ, 1981). O dióxido de enxôfre e seus derivados são os compostos químicos mais frequentemente usados em práticas industriais. Pode ser empregado na forma gasosa, como dióxido de enxôfre, ou na forma de soluções aquosas diluídas de sais de sulfito. 12. <NÃO DISPONÍVEL>
13. Métodos de controle do escurecimento enzímico A inibição do escurecimento enzímico, envolvendo a enzima polifenol oxidase, é obtida principalmente com aplicação do calor ou o emprego de certos compostos químicos. Já que o escurecimento em questão envolve uma reação enzímica, fatores como concentração de substrato pH do meio e disponibilidade de oxigênio têm influência na taxa de inibição. Entretanto, na prática, alguns destes fatores são de difícil controle durante processamento e estocagem dos alimentos (MATHEW & PARPIA, 1971). O escurecimento enzímico pode ser prevenido, não só pela inativação enzímica, mas também pela eliminação de um dos dois fatores necessários para a reação (O2 e polifenóis), ou pela reação com os produtos primários formados, visando a inibição dos compostos coloridos secundários produzidos na etapa não enzímica do escurecimento. Na maioria dos casos, não é fácil a distinção dos diferentes mecanismos de ação de um inibidor do escurecimento enzímico, uma vez que, alguns inibidores agem simultaneamente sobre a enzima, o substrato ou produtos da reação (VÁMOS-VIGYÁZÓ, 1981) |