Vida mais longa

    O cérebro bem estimulado em tarefas como leitura, aprendizado de novas línguas, resolução de problemas matemáticos ou mesmo em tarefas rotineiras no trabalho pode esticar  a longevidade de uma pessoa e evitar que ela sofra de problemas típicos da velhice, como a senilidade e a perda de memória. Uma pesquisa realizada entre pacientes com mais de 65 anos, todos de um mesmo bairro e mesma classe social, no Hospital Francês de Buenos Aires, revelou que 38% deles tinham desenvolvido o mal de Alzheimer, doença degenerativa que apaga mecanismos da memória coordenadores de movimentos naturais, como os da locomoção. Esse índice, contudo, caía para apenas 7% entre os pacientes com nível de instrução universitário. Quanto mais informação útil é armazenada no cérebro, melhor é seu desempenho. Maior também é o benefício que ele leva a todo o resto do organismo ao qual esta ligado. " O cérebro é uma máquina para usar e gastar", diz o professor Ivan Izquerdo, especialista  no estudo da memória do departamento de bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. "Quem estuda ou tem uma vida intelectualmente ativa vive melhor e geralmente mais." O uso adequado das potencialidades do cérebro também pode multiplicar muitas vezes a capacidade de aprendizado de uma criança, melhorar o desempenho de uma pessoa no emprego e aprimorar seus vínculos familiares e sociais.
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    O desenvolvimento natural do cérebro se dá na mais tenra infância. Até os 8 anos, a criança já possui conectados 90% dos neurônios que carregará  ao longo da vida. Aos 17 anos de idade, o cérebro humano atinge os 100% do seu estágio de crescimento. No entanto, estima-se que 30%  da capacidade intelectual das pessoas seja inata, determinada pela herança genética.  Os outros 70% vêm do uso e do aprendizado. Isso significa que, assim como existem seres humanos mais altos ou mais velozes, existem pessoas com maior capacidade orgânica cerebral. É isso que faz a diferença entre uma pessoa mais inteligente e e outra menos. O cérebro tem milhões e milhões de células conectadas, entre si, por neurônios - os microscópicos filamentos nervosos que conduzem  os sinais elétricos. Cada neurônio pode ligar-se a outras 100000 terminações como ele. O número de combinações possíveis  pode chegar quase ao infinito. As conexões entre os neurônios, por onde passa a informação cerebral, são chamadas de sinapses. Quanto maior for seu número, mais inteligente a pessoa será. "É a capacidade  humana de produzir essas combinações, a partir de dados  registrados no cérebro, que podemos chamar de inteligência", diz o fisiologista Gilberto Xavier, da Universidade de São Paulo.
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    Atividades complexas ou inovadoras  são a melhor forma de exercitar o cérebro. Jogar xadrez sempre foi considerado um bom exercício cerebral, porque exige concentração e capacidade de inventar saídas para novas situações. Outra maneira apontada pelos especialistas é a leitura. "Quando alguém lê, está criando novas imagens, aprendendo novos conceitos e até exercitando a fala", diz Ivan Izquerdo, da UFRGS. "Enquanto as pessoas lêem, músculos da língua quase impercepitivelmente se mexem." Para expandir as ligações cerebrais, o ideal é não desistir da leitura de textos um pouco mais complicados. Outra maneira é viajar para lugares desconhecidos e surpreendentes. Até mesmo arrumar os móveis da casa de outra forma é uma tarefa estimulante para a atividade cerebral. Poucas experiências são tão desafiadoras para o intelecto quanto aprender uma nova língua. Ela provoca uma reação em cadeia no cérebro, que se vê convidado a criar novas combinações para decifrar e armazenar palavras até então desconhecidas. São essas novas conexões, geradas pelo desafio diante da novidade, que aumentam a capacidade do intelecto de trocar informações consigo mesmo.



Extraído do artigo da revista Veja, ano 31, nº 33, 19 de agosto de 1998.