AS ESTRUTURAS CONCRETAS E AS ESTRUTURAS FORMAIS




Bibliografia:

PIAGET, J. e INHELDER, B. Da Lógica da Criança a Lógica do Adolescente. São Paulo: Ed. Pioneira, 1976. 260p. (Capítulo 17)


A inversão e a reciprocidade constituem as condições de equilíbrio das ações mais elementares, bem como das operações superiores. No nível perceptivo as inversões correspondem às adjunções ou supressões de elementos e as reciprocidades às simetrias ou semelhanças. Aqui serão tratadas as inversões e reciprocidades características das operações concretas e formais .

Existe uma primeira diferença entre as estruturas concretas e formais de conjunto:





As operações lógicas concretas consistem em agir diretamente sobre os objetos a fim de reuni-los em classes de diversas ordens ou de estabelecer entre elas as relações. Ora, as estruturas de classes e de relações, às quais se conformam as operações do pensamento concreto, são estruturas limitadas, que apenas reúnem cada vez mais tais classes ou tais relações, através de inclusões ou de encadeamentos contíguos. Permanecem assim no estado de grupos incompletos ou de semi-reticulados, pois consideram apenas essas inclusões contíguas, sem atingir a combinatória que caracteriza os “conjuntos das partes”, e que é a única que permite a síntese, num sistema único, das inversões e das reciprocidades.

É assim que as estruturas concretas de classes consistem exclusivamente de classificações simples (aditivas) ou múltiplas (tabelas multiplicativas ou matrizes), de tal forma que cada classe depende uma vez por todas daquelas de que faz parte. Essas estruturas repousam na reversibilidade por inversão. As estruturas concretas de relações coordenam entre si as eqüivalências completas (igualdades) ou parciais (alteridades) no caso de relações simétricas, as diferenças ordenadas no caso das relações assimétricas transitivas (serrações ou encadeamentos) e comportam igualmente os sistemas multiplicativos (correspondências, ...). A reversibilidade característica dessas estruturas consiste de reciprocidades. De uma maneira geral, os “agrupamentos” elementares, que constituem as únicas estruturas de conjunto acessíveis ao nível das operações concretas, se caracterizam, portanto por duas particulariedades essenciais que as opõem às estruturas formais:





Então, o que falta às estruturas concretas de agrupamento é a combinatória intrínseca à construção do “conjunto das partes”, ou, o que é a mesma coisa, é a utilização de operações proposicionais (implicação, etc.) ou isomórficas destas últimas, pois as operações interproposicionais repousam sobre a estrutura desse “conjunto de partes”. A diferença entre os agrupamentos elementares de classes e de relações (classificações, seriações e correspondências multiplicativas) e esta estrutura é que os primeiros constituem somente semi-reticulados, enquanto que o conjunto das partes forma um reticulado completo. Em segundo lugar, as operações com o “conjuntos das partes” comportam uma inversa e uma recíproca: a segunda diferença essencial entre os agrupamentos concretos e o sistema de operações formais refere-se, então, à ausência de um grupo único que ligue as inversões e reciprocidades nos agrupamentos elementares, bem como a presença desse grupo logo que se constitui o “conjunto das partes”.

No entanto, não é suficiente assinalar estas diferenças entre as operações concretas e formais, e nem ligá-las à construção de um “conjunto das partes”. É preciso examinar como, na realidade dos fatos, se realiza a passagem das operações de classificação, seriação, correspondência, etc. - ignorando essa estrutura - para as operações proposicionais. Trata-se, em outras palavras, de compreender o que é que leva o sujeito, por volta de 11-12 anos, a construir efetivamente os “conjuntos das partes”.

Começamos a definir as operações concretas como estranhas a qualquer combinatória, e as operações formais como aquelas que exigem uma combinatória.

As circunstâncias sob cuja influência se efetua a passagem do concreto ao formal são: depois de o pensamento concreto ter estruturado certo número de domínios quantativamente heterogêneos (comprimentos, superfícies, pesos, velocidades, etc.) verifica-se que, num grande número de situações reais, esses domínios interferem de maneiras múltiplas. Um mesmo efeito pode, por exemplo, ser a resultante de várias causas reunidas, ou, se não comporta mais que uma, esta pode ser mascarada por uma série de fatores não-causais e que variam concomitantemente. Enquanto as operações concretas procedem conteúdo por conteúdo, a realidade cedo ou tarde impõe uma mistura de conteúdos, tratando-se, então, de forjar novos instrumentos operatórios.

Dois métodos são então simultaneamente empregados pelo sujeito; no primeiro, procura coordenar entre si os resultados das operações concretas, isto é, eliminar as contradições aparentes a que conduz seu emprego quando seus conteúdos respectivos interferem entre si de maneira complexa; no segundo, procura coordenar diretamente entre si as diversas operações características dos agrupamentos complexos. Esses dois métodos, que conduzem assim à descoberta da lógica formal das proposições, consistem, portanto, em:





Desde as operações concretas, o raciocínio repousa evidentemente nas proposições, com ou sem uma presença perceptiva dos objetos descritos. Mas a operação concreta consiste em decompor e recompor o conteúdo dessas proposições, isto é, as classes e relações em jogo na matéria da proposição: portanto, uma proposição ainda não é, no nível concreto, ligada a uma outra enquanto proposição, mas unicamente graças a seu conteúdo lógico que consiste de estruturas de classes e de relações, em correspondência com os próprios objetos. De outro lado, desde o momento em que a composição consiste em reunir ou dissociar esses possíveis como tais, esta composição se refere não mais aos objetos, mas aos valores de verdade ou de falsidade das combinações. Em outras palavras, logo que ingressa no caminho de uma coordenação dos agrupamentos concretos num sistema único, o pensamento se torna formal porque se refere às combinações possíveis e não mais aos objetos em si mesmos.


CONCLUSÕES:

A noção de equilíbrio supõe, simultaneamente, a distinção entre a coordenação íntima de duas formas complementares da reversibilidade: a inversão e a reciprocidade. Num estado de equilíbrio, há inversão sempre que modificamos os elementos do sistema, por adição ou por supressão; portanto, quando se lida com transformações cuja forma de compensação é a operação nula (significa a ausência de ações). De outro lado, existe reciprocidade nos casos em que as transformações de sentidos contrários não se anulam, mas se compensam segundo uma forma de compensação que é a equivalência (a igualdade entre a ação e a reação é a forma geral dessa compensação por reciprocidade). Além disso, a inversão e a reciprocidade são sempre solidárias: ao acrescentar ou suprimir alguns elementos numa parte do sistema (inversão), modifica-se ao mesmo tempo as relações de reciprocidade entre essa parte do sistema e as que o equilibram; inversamente, para modificar a equivalência (reciprocidade) entre os elementos que atuam em direções opostas, evidentemente precisa-se acrescentar ou suprimir alguma coisa. É isto que constitui uma transformação por inversão.

Esta interdependência das transformações por inversão e por reciprocidade implica uma estrutura formal. É apenas no plano das operações formais que essas duas formas de reversibilidade podem ser reunidas num sistema único.